segunda-feira, 21 de maio de 2007

DISCURSO DE ZÉ SARNEY CONTRA A OPERAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL.



O discurso abaixo, reproduzido parcialmente, foi proferido pelo senador José Sarney (PMDB - AP), no plenário do Senado, que ficou indignado com a operação da Polícia Federal...

(continua no fim do discurso).

"São muitas as versões sobre o que vou dizer. (...) que venho destilar um sentimento de ira e vingança contra o presidente da República; outras, que venho entrar no lodo de invadir a vida das pessoas. Não sou responsável por nenhuma dessas versões. Não tenho mais idade para mudar. O Brasil conhece meu temperamento.

Venho cumprir meu dever de homem de Estado responsável pela transição para a democracia. Falo na condição de ex-presidente. Esperei que os últimos anos da minha vida fossem dedicados à literatura, distanciado da luta partidária, sem perder a serenidade na avaliação das indignidades.

As conversas privadas entre homens públicos devem ser respeitadas. Não estou quebrando esta regra ao recordar que disse ao presidente da República, em visita que me fez:

_Presidente, o senhor desfruta de prestígio internacional e do respeito de todos nós. Não permita que seu governo seja conspurcado neste processo da sucessão. Assegure que o jogo democrático possa fluir sem manobras sujas. As sucessões apaixonam e muitas vezes destroem homens públicos.

_Vejamos o exemplo de Nixon, Watergate, justamente porque procuravam derrotar o adversário por métodos amorais. Derrotou-se. Mas manchou-se Nixon perante a História. Presidente, vigie os seus maus amigos.

Já me haviam chegado ao conhecimento alguns procedimentos nada convencionais que me preocupavam, e a ele os relatei. O presidente me reafirmou que seu comportamento seria o de estadista, e que sofria com pressões e cobranças pessoais que lhe infernizavam o cotidiano.

É justamente nesta linha de colaboração com o país e também com o presidente que falo. E é com amargura que vivo este momento. Não estou mais na idade de rasgar a alma com decepções e perplexidades tão chocantes.

Não estou aqui como senador do PMDB (...)

Falo pelo dever que tem um ex-presidente da República

_ de defender o país e suas instituições, e a base delas são os direitos individuais. O direito de cada um de nós não ser espionado, escutado, seguido, perseguido, tocaiado pelo aparato do Estado, construído para proteger os cidadãos. Assim é o Estado de Direito, da lei, não dos homens. A nação assistiu aos atos de violência política que aconteceram no Maranhão".

Policiais armados, viaturas embaladas, aparato de efeito utilizados para criar um escândalo (...), em ato arbitrário, ilegal, de conotação política e fora da lei. Dois tribunais assim o consideraram: o TRF e o STJ, julgando que o cidadão só pode ser investigado por autoridade competente. (...). É um privilégio? Não. Da mesma forma, os procuradores (...) e os juízes gozam das mesmas prerrogativas de serem julgados por instâncias especiais.

Assim também os desembargadores, secretários de Estado, ministros, deputados, senadores e o presidente da República _ que agora mesmo, quando a reforma judiciária pretende modificar esta norma, manifesta-se contra.

Toda decisão tomada por juiz ou qualquer autoridade sem competência é nula, não serve, é suspeita, em nada aproveita à Justiça. É decisão dos tribunais e consenso dos juristas. Cito, como isento, o ex-presidente da OAB, Reginaldo de Castro: "Toda prova feita ao arrepio da lei é considerada ilícita (20/4/1999, ''O Globo'').

E é, mais uma vez, reiterada na decisão do Supremo Tribunal Federal, em acórdão no processo número 80.197, que considera nula a decisão do juiz incompetente.

(...) Não basta sustentar falsas formalidades. Estas manobras são feitas com estes cuidados para esconder seus objetivos.

Ilegal, porque praticada por juiz e autoridades sem a competência legal para praticá-la, conforme decisões unânimes da Justiça. ''A investigação dos fatos incluídos na competência originária deste Tribunal deve ser feita aqui'', diz o TRF.

Assim descreve o jurista Saulo Ramos o que aconteceu: ''Em diligências desse tipo, quem cumpre mandado judicial deprecado é oficial de justiça (art. 355, parágrafo 2º, do Código do Processo Penal). E a polícia, a da comarca, somente pode e deve ser requisitada se houver resistência contra a busca e apreensão."

(...)

Em casos como este, o mandado, ou seja lá o que for, principalmente contra um governador com foro privilegiado, tem que ser examinado pelos seus departamentos jurídicos, para evitar justamente que pesem sobre o governo as suspeitas de parte no arbítrio.

Quem acredita neste país, qual o idiota, que uma ação desta magnitude seria armada sem que a máquina estatal de nada soubesse ou dela não participasse? Quem nesse país não sabe que foi uma ação política suja, com propósito determinado?

(...)

Sigilo para proteger o vazamento, a calúnia, a mentira, o desrespeito à dignidade das pessoas, expostas a versões falsificadas, difamadoras e interessadas. A polícia _ o aparato do Estado _, dessa maneira, foi transformada em polícia política.

(...) No México, matou-se um candidato, Colósio, assassinou-se um outro, Ruiz Massieu, porque também podiam vencer. Tudo vale, nesse submundo da podridão das liberdades violadas.Atrás, os dedos escondidos, os fingimentos, a desfaçatez das negativas, que não cabem no formalismo com que tentam esconder planos e objetivos.

A data, a hora e a vez foram escolhidos _ sexta-feira, fim de tarde _, para impedir a tomada de medidas de defesa judiciais mais eficientes e rápidas. Os seus objetivos e os resultados estavam sendo aguardados por uma revista semanal, para que fosse sua reportagem de capa, até com outdoors. Não censuro a revista. Ela é um veículo e tem interesse em dar furos e noticiar. Censuro aqueles que prepararam a ação violando a lei e os direitos fundamentais.

Pois não é a lei que se busca cumprir. É o escândalo para caluniar. De que adianta dizer a Constituição que todos têm direito à defesa, que ninguém é culpado senão depois de julgado pela Justiça em procedimentos legais?

O aparato do Estado espalha, sem defesa, versões, documentos e calúnias. É assim que funcionavam os Dops, a Gestapo, pior hoje, neste tempo de comunicação em tempo real, em que a imagem de defesa é impossível.Uma vez solta a calúnia, nada pode recuperar a verdade.

O padre Vieira falava de penas soltas ao vento, impossíveis de recolher, e Beaumarchais ressaltava que a calúnia é uma arma tão terrível que destrói o direito do homem de tal forma que ele fica privado até de provar a própria inocência.Senhoras senadoras, senhores senadores:

O que vejo no Brasil de hoje é o medo dos dossiês, das escutas, da espionagem na vida privada das pessoas. Todos têm medo. Ninguém tem confiança de que o aparato estatal não seja jogado contra si. Um amigo, diplomata estrangeiro, me disse: o clima no Brasil mudou muito. Está muito parecido com o Peru do tempo de Fujimori.

E, para perplexidade geral, esse clima foi criado num governo comandado por pessoas que lutaram contra o arbítrio.Há um fato cuja recorrência impressiona e intriga. É que toda referência a esse estilo característico de espionagem e dossiês nasce no Ministério da Saúde e envolve o ex-ministro José Serra. Não é afirmação minha, é dos jornais. Mais que uma estratégia de campanha parece uma concepção de governo.

(...).

(...)

Outro exemplo, senhor presidente, senhoras e senhores senadores. Em 1997, para intimidar o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, foi forjado também contra ele um inquérito, acusado de ter um contrato de gaveta sobre o apartamento em que morava. Sempre fomos adversários, Lula e eu, com ele nunca mantive relações pessoais, senão de respeito. Apenas por minha consciência, com a minha responsabilidade, escrevi, no dia 13 de junho de 1997, na Folha de S.Paulo, artigo intitulado "A Lula o que é de Lula."

"O país tem que aprender a preservar os seus homens públicos naquilo que têm de mais exemplar, que é sua vida. Não se trata de dar carta de imunidade a ninguém, mas não se pode, só porque o Lula é um líder de esquerda, aproveitar-se de sua notoriedade para, à custa dela, criar um escândalo."

(...)

Precisamos ter cuidado quando quisermos julgar as aparências de atos formais como sendo atos legais. Sabe-se como se fazem estas coisas.

Não devemos esquecer: Quantos milhões de pessoas foram levados ao forno crematório e às valas da Sibéria por investigações, inquéritos, papeluchos. Por um mandado foi Olga Benário levada das masmorras do Estado Novo para o campo de concentração. Processos, inquéritos, condenações políticas forjadas, foram sempre métodos de intimidação e liquidação de adversários, métodos já ultrapassados na humanidade. O Brasil não pode ter inquéritos secretos para provocar o medo, o terrorismo moral.É este o estado democrático que queremos? Os policiais que invadiram a Folha de S. Paulo, em 1991, também estavam munidos de mandado judicial, de documentos, de autorizações. Apreenderam documentos cotidianos e normais e os apresentaram como criminosos.Senadoras e senadores:

(...)

Falo pelo país e, mais ainda, para ajudar o presidente a libertar-se dessas pressões e não deixar manchar a imagem do Brasil.

Que se diga a qualquer cidadão de que é acusado, tipifique seu crime, se assegure o direito de defesa. Que se condene quem tiver culpa. Mas que não se invoquem simulacros, mascarados sob a capa de formalidades. Seja respeitado o processo legal.

Respeitem os direitos individuais, as garantias constitucionais, e não usem o Estado para esse tipo de ação que denigre o país e as instituições. Não persigam.

Leio, agora, que o governo pede ao relator da ONU sobre alimentação que não vá ao Maranhão, pelos nossos índices. Isso me machuca. Peço que o senhor Jean Ziegler vá ao Maranhão. O Maranhão é dos Estados de menor índice de violência, e o sr. Ziegler disse que o Brasil enfrenta "uma guerra social", com "40 mil assassinatos por ano. Para a ONU, 15 mil mortos por ano são indicador de guerra."O Maranhão para mim não é só inspiração. É vida, é saudade que não deixa de doer um só dia, é sonho, é amor demais. Ruins são, infelizmente, os índices. Mas não é o Maranhão o vilão do Brasil. O índice de desigualdade do Maranhão é melhor que o do Brasil _Maranhão, 0.575; Brasil, 0.595. Não é o Maranhão que vai colocar o Brasil em situação ruim, em desigualdade social.

Pouco sabemos da Suazilândia, pequeno país dormitório da África do Sul, onde quase toda a população anda descalça. Da Nicarágua sabemos, porque está aqui perto. O que têm a Suazilândia, a África do Sul e a Nicarágua a ver com o Brasil?É que os últimos países do mundo na desigualdade social, são Suazilândia, Nicarágua, África do Sul e Brasil, segundo o Pnud, órgão das Nações Unidas, em seu Relatório de Desenvolvimento Humano de 2001. Estes são os problemas do país para os quais devemos conjugar esforços, e não denegrir a imagem do Maranhão.

Mais do que nunca o Brasil precisa ficar acima de qualquer suspeita, em todos os escalões, sobretudo nos órgãos encarregados de zelar pela Constituição e pelos direitos da cidadania.

Precisamos de paz. Todos sabem meu temperamento. Estou aqui para defender o país e suas instituições. Nunca persegui ninguém, não pesa em minha consciência ter passado por cima de ninguém. Todos me conhecem e conhecem meu temperamento, minha conduta.

(...)

Como ocorreu em Watergate, as coisas deixaram pegadas. Aqui também. Algum jornalista vai descobrir a trama e um dia um best-seller vai aparecer, vai surgir o nosso prêmio Pulitzer, contando toda a história. E aí os responsáveis não terão como recorrer a negaças.

Não é possível que este processo fique oculto para sempre. Que seja apenas "tempestade em copo d'água".Será assim que se pensa ser o futuro governo? Medite a nação sobre isso.

O jornalista Élio Gaspari advertiu o país sobre o "perigo da mexicanização".

(...)

"Mas estamos diante de algo preocupante. Trata-se do mais impressionante rolo compressor já montado na política recente. Dinheiro, recursos políticos, mídia, pressões, ameaças, tudo é usado para favorecer o candidato oficial. Detalhe importante: está sendo organizada uma estrutura paralela ao governo e a seu partido, algo sem precedentes."

(...)

Esses métodos não podem prosperar. O presidente é o responsável perante a Constituição e a história. (...) certamente não estaria amargando essa manipulação de imagem cuja origem está no aparato estatal, fonte das versões.

No momento em que a independência judiciária é agregada à influência do Executivo, morre o Parlamento e não há mais liberdade, porque some o equilíbrio dos poderes. Nasce o arbítrio. No princípio com coisas que nos parecem menores, como as que relatei. Depois vai num crescendo e quando nos damos conta, tudo está perdido.

É sempre bom lembrar o pastor Niemoller, um dos líderes da resistência protestante contra o nazismo: Quando vieram buscar os comunistas, eu não disse nada, eu não era comunista.Quando vieram buscar os judeus, eu não disse nada, eu não era judeu. Quando vieram buscar os católicos, eu não disse nada, eu não era católico. Então vieram me prender, e não havia mais ninguém para protestar. Peço que meditem sobre isso os políticos, a imprensa, o governo e o povo brasileiro.

Muito obrigado.

(continuação)

...que encontrou no escritório da empresa "LUNUS" em 2002, uma quantia que girava em torno de R$ 1.400.000,00, em dólares e reais.

O dinheiro e documentos foram apreendidos e depois de algum tempo, foram devolvidos a eles, sem que nenhum processo tivesse sido aberto, ou mesmo os documentos terem sido examinados. O que eles tinham pra esconder?

Com a palavra os desembargadores que liberaram o dinheiro e os documentos.

O presente discurso foi publicado na íntegra em 21/03/2002, na Folha Online, no endereço:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u30419.shtml

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