terça-feira, 23 de agosto de 2011

COMO NO VALE DE OSSOS SECOS (Ezequiel 37: 1-14)



Lembro-me de que alguns anos atrás, meu filho tinha por volta de 10 anos de idade e eu o levei, juntamente com o meu sobrinho da mesma idade para um Shopping Center, afim, de ver um filme. Antes de chegarmos às salas de cinemas, percebi uma mostra de desenhos de arte contemporânea e fui até lá com os dois. Eles acharam o máximo! Eu porém, fiquei incomodado com aquelas cenas escuras, imagens de morte, não havia nada colorido ou com um tema de ternura, carinho, amor, era somente trevas, desenhos em carvão, cenas da noite, lugares ermos e desérticos. Lógico que fiz questão de fazer a minha crítica ao responsável pela mostra e sai dali com os meninos, mas sem deixar de aplicar-lhes uma lição sobre o assunto.

Nossa cultura é obcecada por imagens de mortes. De espetáculos a programas de TV como CSI e Dexter a obras clássicas da literatura mundial, há muita cena de morte e de tragédias, como forma de entretenimento. As pessoas gostam disso. Se voltarmos nossa atenção para longe do mero entretenimento, para a cobertura da mídia, de doenças, da pobreza, dos desastres naturais, e da guerra, a obsessão só aumenta.

Como está escrito em Eclesiastes 9:3: “Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo; também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos.”

Talvez a nossa fascinação pela morte, seja simplesmente o resultado da condição humana, como sugere o versículo, ou talvez, estejamos perseguindo uma antiga busca para vencer a morte narrada em histórias tão antigas quanto Gilgamesh e tão novas quanto O Ilusionista, O Grande Truque ou o mais recente, Atos que Desafiam a Morte.

O livro de Ezequiel no capítulo 37 narra alguns dos contos mais macabros da Bíblia. Quando as pessoas mencionam o profeta Ezequiel nos dias de hoje, quase que universalmente, as pessoas invocam a história do Vale dos Ossos Secos. (Ezequiel 37:1-14). Parece que a tradição cristã reduz o livro de Ezequiel a este texto.

Deus começa Ezequiel 37, apresentando um enigma para o profeta: "Filho do homem, acaso, poderão reviver estes ossos?" (Ezequiel 37:3). O profeta humildemente responde: "Senhor Deus, tu o sabes."

-Por que o vale está cheio de ossos?

-O que causou as visões da morte?

-O que trouxe Ezequiel a ficar mudo e desesperado?

Uma resposta que pode ser dada, do porque as pessoas não respondem as perguntas acima, é o fato de não lerem o livro antes desta cena. Isso lhes dá uma visão míope do desespero do profeta e da situação do povo de Israel.

Ezequiel foi levado para o exílio em 597 a.C. Ele ouviu e conviveu com os relatos de que a religiosidade do seu e o sacerdócio estava corrompido. Esquecemo-nos da morte de sua esposa e da ordem de Deus para ele não lamentar sua partida, como um exemplo para a comunidade exilada não lamentar a perda do Templo (24:16-24).

Esquecemo-nos de muitas coisas: Do trauma histórico que acompanhou o exílio. Esquecemo-nos que os babilônios torturaram os habitantes de Jerusalém, guerrearam e os cercaram durante quase dois anos, levando a fome, o desespero e as doenças. (2 Reis 25:3). Esquecemo-nos de como eles destruíram a cidade de Jerusalém, arrasaram o templo, mataram os seus habitantes, e forçaram o restante a irem com escravos para a Babilônia.

O problema com a leitura de Ezequiel 37, é que a passagem chama o leitor a lembrar, confrontar, e testemunhar os eventos devastadores que levaram ao vale de ossos secos, em primeiro lugar. No entanto, a beleza está em que, mesmo neste cenário cheio de morte, a esperança é renovada. A cena lembra o sopro de Deus entrando no primeiro ser humano em Gênesis 2. O profeta, em seguida, ordena como manda o Senhor, e o mesmo fôlego de Deus entra nos corpos, que são reanimados e vivem mais uma vez (versículo 10).

O milagre desta visão não está na sua forma teatral, Spiuberguiana. O verdadeiro milagre é que vem logo depois da comunidade ter enfrentado perdas terríveis. Muitas vezes podemos transformá-la em uma promessa de vida nova em níveis individual e comunitário, sem levar a sério as situações e circunstâncias que levaram à morte inicial. Quando pensamos na morte e recordamos que Jesus nos deu vitória sobre ela, nos recusamos a avaliar os sistemas, padrões e conseqüências de nossa caminhada pelo vale da sua sombra.

Para pregarmos sobre este texto de forma responsável, devemos prestar atenção para o limite entre a vida e a morte. Devemos ao mesmo tempo reconhecer e testemunhar o desespero do mundo que nos rodeia. Nossa tarefa não é fácil. Mas se estamos dispostos a discernir a morte que rodeia as nossas igrejas, e se estamos preparados a obedecer o comando do espírito de Deus para renová-las, talvez a Igreja possa cumprir o seu papel de inspirar nova vida no vale escuro.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SOBRE PRATOS E XÍCARAS

Esta crônica foi lida no culto do dia dos pais por uma filha lembrando o seu pai falecido esse ano do 2011. Resolví publicá-la aqui por julgar uma contribuição valiosa para a reflexão sobre o tema da perda de um ente querido.

Sobre pratos e xícaras


É interessante, ao acrodarmos e nos posicionarmos à mesa para tomar o café da manhã, a disposição das louças. Colocamos sempre a quantidade exata para o número de pessoas que irão deliciar-se com o dejejum.

Engraçado como temos alguma coisa a ver com simples objetos, seres inanimados, irracionais. Dispor xícaras e pratos à mesa, equivalentes à quantidade de membros da família, é como se nós estivéssemos numa escala proporcional às louças, como se a presença de um, dependesse da existência do outro.

Pensando bem, o tempo de vida útil de pratos e xícaras, assim como o dos copos e talheres depende sim da presença de um habitante do lar.

Lembro-me bem da manhã seguinte ao casamento do meu irmão mais velho. Minha mãe, como sempre, de pé, muito cedo, preparando as delícias matinais. Seis lugares a postos. Isso indicava que seis pessoas sentariam ali, seis xícaras seriam usadas, num café da manhã regado a muitas conversas, umas boas, outras que soavam como puxões de orelha, mas que seriam as nossas conversas. Coitada de minha mãe! Ela ainda não havia se acostumado com apenas cinco pessoas. Ainda não havia internalizado que o grupo familiar havia diminuído, que meu irmão deixou de ser família para virar parente que nos visitaria somente nos finais de semana, isso quando não fosse arrastado para a casa da sogra. Nesse dia, sorrimos.

Passado algum tempo, algo fez com que minha mãe não tivesse vontade de preparar nosso café da manhã. Não sei nem se ela conseguiu dormir na noite anterior.

Fui à cozinha, e, com os olhos marejados, preparei o café e dispus as louças. Eu já estava acostumada a ver só cinco xícaras na mesa. Mas nesse dia, com um aperto no coração, coloquei somente quatro.

Depois de muita insistência minha e de meus irmãos mais novos, minha mãe saiu do quarto para tomar café. Ela não conseguiu quebrar o jejum. Faltava uma xícara. Faltava alguém. Alguém que não iria nos visitar nos fins de semana para colocarmos uma louça a mais na mesa. Faltava o meu pai.

Desde aquele dia, sentamos-nos à mesa, mas há um vazio. As conversas? Talvez elas voltem. A xícara? Talvez também seja colocada, talvez quebre, mas com a certeza de que poderá ser substituída. Mas, meu pai, insubtituível, esse deixará um vazio, que nunca poderá ser preenchido.

Em memória a Francisco Luís da Silva.

Priscilla Robertha de Andrade

terça-feira, 9 de agosto de 2011

IGREJA É REINO DE DEUS OU É UMA EMPRESA?

Hoje à tarde antes de sair de casa para um compromisso, um carro parou ao meu lado e vi que era um pastor amigo meu da Igreja Batista da CBB, e que a muito tempo que já não via.

Ele começou demonstrando interesse em saber como eu estava indo, como vai a minha família e como vai o meu ministério. Eu lhe disse que tudo estava indo bem, e que a família estava bem também. Quanto a igreja, eu lhe disse que já estava pastoreando uma igreja em outro bairro e que tudo ia bem e caminhando. Ele perguntou com quantos membros eu contava e lhe respondi que a minha igreja conta com um pouco mais de 100 membros, dai ele comentou que isso se dá por causa da doutrina, já que ele havia abolido, segundo ele, “esse negócio” e que estava “gerindo” a sua igreja, num tipo de “Estratégia de Gestão” que logo pude detectar como aquilo que os empresários fazem, então eu disse:

- Irmão, enquanto você diz que aboliu a doutrina, creio que tenha sido por esta razão que a maioria das Igrejas Batistas perdeu a sua identidade, pois eu creio que a doutrina é fundamental, afinal Paulo disse pra Timóteo: “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina.” (I Tm 4: 6).

Como ele sabe que eu sou presbiteriano, me respondeu:

- Se é assim, a Igreja Presbiteriana também vai perder a identidade, porque se quiser crescer, tem de assumir uma “Estratégia de Gestão”.

Eu lhe retruquei:

- Irmão, isso não é igreja, é uma empresa, não gera discípulos, mas consumidores. Isso não é estratégia, é pragmatismo, deforma o Evangelho e só faz o que dá certo, procura agradar os consumidores e tem de se renovar sempre, cada vez uma novidade diferente, caso contrário os consumidores procurarão outra novidade em outro lugar.

Toda essa conversa me fez pensar sobre os rumos que as igrejas estão tomando. Na verdade muitos pastores já foram contaminados pelo “vírus” da mega-igreja e pagam qualquer preço para alcançar esse objetivo. A desculpa é que estão ganhando almas para o reino de Cristo.

O apóstolo Paulo em I Coríntios explica que: “Paulo plantou, Apolo regou, mas é Deus quem dá o crescimento, ou seja, independe da “estratégia” (I Cor. 3: 6), de Marketing, ou outra qualquer usada, pois se Deus não tiver no centro e no alvo, a igreja não prospera. Pode até ser que o negócio [igreja] do “pastor” prospere, mas será um negócio cheio de “consumidores”, mas não de verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

ENTREVISTA DO REV. JOÃO d'EÇA PARA O BLOG CAMINHOS DE MEMÓRIAS.

Rev. João d'Eça foi entrevistado pelo Blog "CaminhodeMemórias" da Aline Gomes, direto de Nova York

Perguntas:

CM: No livro When the Hurt Runs Deep, autora Kay Arthur afirma: "O fato de que um indivíduo tira a própria vida não destina a pessoa ao inferno. O destino eterno de uma pessoa é determinado por como ele respondeu à oferta de salvação em Jesus Cristo durante sua vida, não se ele tirou ou não sua própria vida." (Tradução livre, p.113).


Em seguida ela diz que algumas pessoas se matam por desejarem estar logo na presença de Deus, mas que eles se esquecem que terão que se apresentar diante dEle para prestar contas.

"Ao tirarem suas próprias vidas, eles contradizem a suficiência de Sua graça e a verdade de Suas promessas. Suicídio não é uma forma valorosa para um filho de Deus morrer, em fato, é vergonhoso." (Tradução livre, p. 114).

O texto bíblico utilizado pela autora é João 10: 24-30, ênfase no versículo 29: "Meu pai mas deu (...) e ninguém pode arrebatá-las da mão do meu Pai", sendo que nem mesmo a pessoa que comete suicídio pode perder a salvação se ela pertencer a Deus.

COMENTE.

Resposta do Rev. João D'Eça: Antes de responder as perguntas propriamente ditas, queira me permitir comentar o texto bíblico citado de João 10: 24-30.

1 – O texto não fala de suicídio ou morte física, mas o principal tema do texto é a doutrina bíblico-reformada da Eleição. Eleição é a doutrina que ensina que Deus, na sua soberania e misericórdia, antes da fundação do mundo, baseado tão somente no seu infinito amor, escolheu aqueles que seriam salvos, permitindo que os demais continuassem no seu caminho de perdição.

- No versículo 26, vemos Jesus dizer aos seus interlocutores: “Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.” Dai entendemos que aqueles incrédulos, que morrem na sua incredulidade, não pertencem a Deus, “não fazem parte do conjunto de suas ovelhas”.

- No versículo 27, Jesus diz: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; (a pregação da Palavra) eu as conheço, e elas me seguem. Quem é de Deus ouve a Palavra de Deus.

- No versículo 28, Jesus enfatiza o tema do seu discurso, (Vida Eterna), ele diz: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. E no versículo 29, “Aquilo que o Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar.” Ou seja, os eleitos são eleitos pra sempre. Os salvos em Cristo são salvos pra sempre. Não importa a forma como foram mortas. Ninguém os arrebatará das mãos de Deus.

- Em Romanos 8:35, diz: “Quem nos separará do amor de Cristo? Será a tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?” E nos versículos 38 e 39, arremata: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.

Concluindo essa primeira parte, Jesus nos ensina em João 10 24-30, que nada poderá nos arrancar das mãos de Deus. Se fosse possível, nosso Deus seria um Deus incapaz, sem poder, onde aquele que conseguisse nos arrancar das suas mãos, seria muito mais forte que ele.

======================================

Resposta do Rev. João d'Eça: No que se refere às questões do livro e o comentário da autora, segundo todos os especialistas que tenho estudado sobre o assunto SUICÍDIO, dizem que a prática do suicídio é a mais egoísta e vingativa possível, ou seja, não é uma atitude nobre, o que está por trás do suicídio, é o EGOISMO humano exacerbado, a não ser que seja um caso de patologia psíquica, mas até ai é possível controlar com o uso de medicamentos específicos.

- O suicídio é resultado do pecado humano e suicidar-se é pecado, e como tal, tem a sua merecida punição. Não há nobreza no suicídio.

- Provérbios 4: 23 diz:

“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida.”

- Mateus 12: 34 diz: “... Porque a boca fala do que está cheio o coração.”

-Todo o pecado tem origem no coração humano. A dinâmica do coração desde a queda é uma dinâmica idolátrica. As pessoas são influenciadas maleficamente de dentro do seu coração, vide os textos acima.

- Toda forma de pecado tem origem no amor absoluto do “EU”. Ao invés de amar a Deus sobre todas as coisas, o maior problema do homem, depois da queda, é que ele passou a “amar a si próprio” acima de todas as coisas. O homem caído idolatricamente ama a si mesmo em busca da sua satisfação plena. Ocorre que o “EU” não pode fornecer essa satisfação plena, então ele busca satisfação nos ídolos menores como, beleza, poder, dinheiro, etc. Esses ídolos menores são descartáveis, caso não alcancem o objetivo do “EU”, então é imediatamente substituído ou deslocado.

- Nesse sentido é que o SUICÍDIO é EGOÍSTA. A pessoa que se mata via de regra, está querendo atingir ao outro. Por exemplo, o fato de não ter coragem ou não poder matar alguém, matando-se, quer atingir aquele a quem queria ferir, ou seja, a motivação é pecaminosa, é egoísta.

- Um outro exemplo é quando as pessoas não querem enfrentar uma situação que elas próprias criaram e que se reverteu de alguma forma contra si. Não agüentando as conseqüências dos seus atos e não querendo enfrentar a vergonha de passar por aquilo, dão cabo da sua própria vida. Novamente aqui, a motivação é EGOÍSTA.

=======================================

CM: Já teve alguma experiência desse tipo? Se sim, como lidou? Se não, como lidaria? Qual tipo de preparo os pastores e líderes têm nesse sentido?

Resp. Rev. João d'Eça: Sim já passei por situações dessas no meu ministério, mas o aconselhamento reverteu a situação.

O preparo dos pastores, via de regra, é adequado, porém daqueles que se preparam em um Seminário idôneo, ou os que buscam esse preparo numa escola séria para que seu ministério seja melhor exercido.

No entanto, com a proliferação dos ministérios neo-pentecostais, onde a maioria dos pastores ou não tem o preparo adequado, ou julgam que esse preparo não é necessário, vemos a proliferação de crentes neurotizados, escravizados por problemas mentais que poderiam ser sarados, mas por causa da falta de preparo e de ser mais fácil atribuir as coisas ao Diabo (Não que ele não seja responsável em muitos casos!), as pessoas não tem sido tratadas adequadamente, à partir de uma abordagem bíblico-referente.

Agora queremos saber dos leitores, como sua igreja e/ou família tem lidado com esse tema. Você já teve alguma experiência desse tipo? Gostaria de compartilhar conosco? Deixe sua resposta nos comentários.

O Caminho de Memórias agradece à disponibilidade do Rev. João que nos atendeu prontamente. Muito obrigada!


Rev. João d’Eça tem 44 anos, é Bacharel em Teologia pelo SCEN – Seminário Cristão Evangélico do Norte, em São Luís-MA e Mestrando em Teologia (Habilitação em História da Teologia), pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper da Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo-SP.


Pastor da Igreja Presbiteriana Betsaida em São Luís-MA.


Casado há 21 anos, pai de um filho de 18 anos.

Minhas postagens anteriores