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Rev. João d’Eça, MD
Introdução
O
papa Leão X proclamou a venda das indulgências[1]
em toda a Europa e escalou um monge dominicano de nome João Tetzel para vende-las
na Alemanha e arrecadar o maior número possível de dinheiro para Roma, cujo intuito
era: 1) Pagar o empréstimo feito junto a banqueiros, e 2) arrecadar para a construção
da basílica de São Pedro. As indulgências foram arrendadas por Alberto,
arcebispo de Maiz, e Lutero se levantou contra esse comercio nefasto, dando
assim início à Reforma protestante.
O papa Leão X dizia que as
indulgências constituíam uma grande graça. O objetivo dessa venda era alcançar
as grandes massas das populações por toda Europa. O clero apresentava ao
público, mas também eram apresentadas por aqueles que queriam ganhar simpatia
do alto clero do romanismo.
Muitos príncipes da Alemanha não
viam com bons olhos o trabalho de João Tetzel e reclamavam da exploração por
parte do papa das suas populações já muito empobrecidas. Nos seus territórios
já estavam se esgotando as moedas que iam para enriquecer a coorte papal.
Muitos homens de bem e muitos padres não viam com bons olhos a venda dessas
indulgências, pois além de empobrecer o povo, traziam consigo muitos outros
males para a sociedade.
Indulgências do papa Júlio
Em 1501 o papa Júlio promulgou
uma indulgência com o propósito de auxiliar no custeio de uma guerra contra os
turcos, em suposta defesa do cristianismo. O eleitor Frederico não permitiu que
o dinheiro levantado nos seus domínios saísse do país, porque pretendia guardar
essas somas até que a guerra fosse declarada. Começou ai a oposição de
Frederico aos desmandos do papado.
Esse dinheiro que Frederico não
permitiu que saísse dos seus domínios, foi empregado na construção da
Universidade de Wittemberg, onde o jovem Lutero estudou, afixou na porta da
catedral as 95 teses e onde ele foi professor.
Primeiros protestos contra as indulgências
João Wessel
também protestou contra as indulgências, mas o seu protesto serviu apenas para
que ele fosse morto na prisão em um claustro dominicano.
Esses primeiros protestos por
mais veementes que fossem não atingiram contudo, a alma do negócio; a consciência
popular, não foi despertada, o povo em sua maioria, ignorante, com medo e submisso
ao papa, recebia as indulgências com o propósito declarado por Leão X.
Com o montante aumentando sempre,
o papa dizia agora que os recursos seriam para construir a “Casa de São Pedro”,
e ainda, pretendia levantar um túmulo sobre os ossos do grande apóstolo, que
alegavam estar em Roma.
Ignorância espiritual
As pessoas mesmo não sabendo que
fim levava o dinheiro arrecadado, não se inquietavam por ter de tirar o
dinheiro de suas algibeiras e entregar ao representante do papa que viajava por
toda a Alemanha e era recebido com festa. Digno de destaque é o testemunho de
uma testemunha ocular, Myconius[2],
que ainda menino, com treze anos de idade, conta o que testemunhou:
Quando o vendedor de
indulgência aproximava-se de qualquer cidade, na sua frente, um pano de veludo
e ouro, era carregada a bula papal que a anunciava. Todos os padres e monges, o
concílio, mestres de escola com os estudantes, homens, mulheres, com bandeiras,
velas e cânticos, em grande procissão, saiam ao seu encontro. A multidão
acompanhava-o À principal igreja; todos os sinos retiniam, todos os Órgãos soavam.
No meio da igreja erguiam uma grande cruz vermelha e desfraldava-se a bandeira
papal. O povo parecia estar recebendo a Deus em pessoa.
Desse entusiasmo pelas
indulgências, Alberto de Brandenburgo, outrora arcebispo de Magdenburgo, e
nesse tempo arcebispo de Maiz, pensava em obter alguma vantagem. Ele ainda
muito jovem, era afeito à ostentação e considerado protetor das ciências, era
interessado no humanismo e apreciava as artes, principalmente a pintura.
Para chegar onde chegou, Alberto
gastou muito dinheiro comprando cargos e prometendo ao clero que iria pagar
todas as despesas quando recebesse o seu segundo pallium[3]
arquiespiscopal; além disso, devia grandes somas ao grande banco de
Augsburgo e se achava em sérias dificuldades financeiras.
Por causa dessa dificuldade,
Alberto persuadiu ao papa que lhe arrendasse as indulgências na maior parte da
Alemanha e foi ele quem assalariou o dominicano João Tetzel, anteriormente
comissário do papa para ser seu próprio comissário.
Blasfêmias papais
Para atrair a clientela das
indulgências, o próprio arcebispo fez a lista dos supostos benefícios que os
compradores alcançariam, e, Tetzel usou essa lista como um texto no qual ele
podia acrescentar o que quisesse para convencer o populacho a comprar a
mercadoria que eles estavam oferecendo, ou seja, títulos de propriedade do céu.
A lista dos supostos benefícios incluía:
1
– Assegurava ao comprador um completo perdão de todos os pecados, participação
na graça de Deus e livramento do purgatório;
2
- Concedia ao possuidor de um documento
com o selo papal, o direito de escolher o confessor que lhe agradasse, o qual
devia absolve-lo sem confissão de crimes e castigos, e lhe permitia ainda mudar
qualquer voto penoso em outro mais ameno e agradável;
3
– Tornava-o participante de todas as obras da igreja universal, de todos os
benefícios das orações, romarias e outras obras eclesiásticas efetuadas por
todos os membros da igreja em geral;
4
– Por fim, provia-o de uma plena remissão de pecados as almas que se achavam no
purgatório.
João Tetzel porém, ampliou em
muito estas instruções. Ele bradava por onde passava:
- “A alma voa do purgatório assim que a moeda tilinta no fundo da caixa.”
- “A cruz vermelha da indulgência
tem o poder igual ao da cruz de Cristo.”
- “As cartas papais tem uma
eficácia tal que absolveriam mesmo o homem que tivesse violado a mãe de Deus.”
As blasfêmias de João Tetzel nem
se comparavam às blasfêmias ditas pelo papa Leão X, ao declarar que alguns
pecados não poderiam ser perdoados, mesmo pelas indulgências. Eram eles:
1
– Conspiração contra a pessoa do papa;
2
– Assassinato dos bispos e de outros prelados superiores;
3
– Falsificação de cartas apostólicas;
4
– Transporte de armas e outros objetos proibidos para países pagãos;
5
– As sentenças e censuras de importar dos países pagãos, “pedra-hume” da
apostólica Tolfa, contrariamente às proibições apostólicas.
A explicação dessa quinta proibição
era: “Toda pessoa que importasse pedra-hume na cristandade era culpada de
pecado imperdoável.” A explicação disso era a seguinte: Um certo homem chamado
Giovani di Castro tinha descoberto nas montanhas de Tolfa[4]
domínio do papa, não longe da Civitá
Vechia (cidade velha), uma mina de pedra-huma e mina de riqueza para a
santa sé.
Di Castro certificou-se de sua
descoberta calcinando a pedra. Depois apresentou-se ao papa e disse:
Vou anunciar-vos uma vitória
sobre o Turco. Ele tira anualmente dos cristãos 300.000 peças de ouro que lhe
são pagas pela pedra-hume com que tingimos a lã; pois não temos senão um pouco
perto de Isckia... Eu achei sete colinas tão abundantes em pedra-hume que
poderiam abastecer sete mundos. Se quiserdes mandar trabalhadores a fazer
fornos para calcinar a pedra, podereis fornecer pedra-hume a toda a Europa e o
ganho que com esse artigo obtinha o Turco virá para a vossa mão.
A santa sé apressou-se em
explorar seus tesouros recentemente achados, e, com o fim de assegurar a
totalidade do proveito para si, declarou um
pecado importar qualquer quantidade de pedra-hume na Europa.
A moeda obtida com a venda das
indulgências de modo algum devia interferir com as rendas papais provenientes
de suas minas de pedra-hume, e dessa forma, a importação de pedra-hume foi
declarada um pecado imperdoável por qualquer indulgência.
[1] INDULGÊNCIAS: Venda de títulos
de propriedade do céu. Quem comprasse as indulgências teria todos os seus
pecados perdoados, fossem eles passado, presentes ou futuros e poderiam ainda
ser de entes queridos jáfalecidos. Um dito de João Tetzel era: “Quando a moeda tilintar no fundo do baú, mas
uma alma sairá do purgatório rumo ao paraíso.”
[2] OSWALD MYCONIUS: Nasceu em
Lucerna, Suíça. Seu nome de família era Geisshüsler, e seu pai era um moleiro.
O nome Myconius disse ter sido dado a ele por Erasmus de Roterdã; faz alusão à
expressão proverbial Myconian “careca”. Da escola em Lucerna ele foi para a
Universidade de Basel para estudar clássicos. A partir de 1514 ele obteve
postos de ensino em Basileia, onde se casou, e fez o conhecimento de Erasmus e
de Hans Holbein, o pintor. Em 1516 ele foi chamado, como mestre-escola, para
Zurique, onde (1518) ligou-se ao partido reforma de Zwingli. Isso o levou a ser
transferido para Lucerna, e outra vez (1523) reintegrado em Zurique. Entre seus
vários tratados, o mais importante é De H
Zwinglii vita et obitu (1536), traduzido para o Inglês por Henry Bennet
(1561).
[3]
PALLIUM ou PÁLIO: Símbolo de autoridade jurisdicional oferecido pelo papa a um príncipe
ou soberano.
[4]
Montanhas de Tolfa: Próximo a Roma, usado para caminhada de turistas.
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