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João d’Eça
Na
primavera de 1529 foi convocada pelo Imperador Carlos V, uma dieta na cidade
imperial livre de Espira. Quem devia presidi-la era o arquiduque Fernando, que
seguido pelos príncipes católicos transpôs os umbrais da antiga cidade no dia 5
de março daquele ano, com suas escoltas e armas. No dia 15 chegou à cidade o príncipe
eleitor de Saxe, que veio acompanhado de Phillippe Melanchton e Agrícola. Cinco
dias depois Philippe de Hesse entrava ao som de trombetas com duzentos
cavaleiros.
Havia
no ar uma atmosfera de ódio de ambos os lados. Na rua, adversários em questão
de doutrina trocavam olhares ameaçadores e homens de destaque não se olhavam e
fingiam não se conhecer.
Os
rumores davam conta de que a liberdade de culto iria ser suprimida, pois o prozo
já havia acabado. Uns queriam a execução do Edito de Worms e reclamavam com
veemência, do outra lado exigia-se a conservação do último Edito de Espira. Por
fim, no dia 24 de março a maioria da dieta reunida ali, decidiu que qualquer
inovação religiosa seria proibido onde quer que tivesse sido observado o edito
de Worms, e que, nos lugares onde o decreto não tinha sido respeitado, não se
trataria de assunto de controvérsia e nenhum católico poderia se fazer luterano.
Era uma estratégia para impedir o progresso da Reforma.
Os
príncipes protestantes ficaram alarmados com a decisão e reunidos decidiram
rejeitar o decreto. Diziam eles “que em questão de consciência a decisão da
maioria não significa nada”. As cidades que haviam abraçado a Reforma diziam
que o Império germânico desfrutava a paz devido ao Edito de Espira e que revoga-lo
perturbaria a Alemanha, e que a dieta não era competente para resolver a
questão, até que se reunisse um concílio.[2]
Foram
proferidas ameaças para intimidar os membros mais tímidos da Liga de Torgau.
Vinte e uma cidades livres aceitaram o decreto da dieta, quatorze resistiram
heroicamente. Os príncipes protestantes conservaram-se firmes e a lembrança de
sua conduta nobre gerou naquele dia o glorioso nome de “protestantes”.
A
enorme sala do palácio imperial que abrigava os membros da dieta, o Eleitor
Frederico, em nome de toda a Liga, pronunciou as seguintes palavras:
- “nobres
senhores, primos, tios e amigos. Reunidos aqui atendendo ao apelo do Imperador,
buscando os grandes interesses do Estado e do cristianismo, temos compreendido
que os decretos da dieta de Espira devem ser ab-rogados e que há o desejo de
substitui-los por perigosas restrições. Entretanto, o rei Fernando havia
prometido, em nome do Imperador, fidelidade inviolável aquele Edito, como nós
nos esforçamos para mantê-lo. Não podemos, por conseguinte, permitir que ele seja
revogado. Em primeiro lugar porque sua majestade imperial tem interesse em
fazer executar um decreto emanado por sua própria autoridade. Em segundo lugar
porque estão envolvidas nele a glória de Deus do Rei dos reis, e a salvação das
almas.
Meus caros
senhores, nenhum juízo formamos sobre as vossas crenças; limitamo-nos a
suplicar a Deus diariamente que nos conduza a todos nós à unidade da fé, à
verdade, à santidade e à caridade em Cristo, nosso único Mediador.
Se aderíssemos
ao vosso projeto, seria negar o nosso Senhor e nos expor a sermos negados por
Ele diante de seu Pai.
Aceitaríamos
então esta revogação? Afirmaríamos que ninguém pode receber a luz de Deus? Se assim
fosse, de quantas apostasias não seríamos cumplices?
Eis a razão
porque rejeitamos o jugo que nos é imposto. Sabe-se que em nossos Estados a
Santa Ceia é devidamente distribuída. Não podemos, pois, aceitar as medidas
propostas contra nossos comungantes. Além disso, questões tão importantes não
podem ser resolvidas antes do próximo concílio.
O Edito de Espira
levava os ministros a explicarem as Escrituras de acordo com os escritos
reconhecidos pela igreja cristã. Seria portanto, necessário, explicar-se o que
se entende por igreja. Ora as opiniões são muito diversas a esse respeito, mas,
como nenhuma doutrina é digna de fé a não ser que se conforme com a Palavra de
Deus, estamos resolvidos a manter a pregação pura e exclusiva desta Palavra santa,
contida nos livros canônicos do Antigo e do Novo Testamento, sem adição de
qualquer doutrina contrária.
Assim caros senhores, mui sinceramente
vos rogamos que pondereis com cuidado nossas tristezas e nossos motivos de
agir. Se resistis à nossa súplica PROTESTAMOS[3]
aqui diante de Deus nosso Criador, Redentor e Salvador, e diante dos homens, no
nosso nome e dos vossos, contra qualquer adesão ao decreto proposto naquilo em
que é contrário a Deus, à sua Palavra, à nossa liberdade de consciência e ao
último edito do Imperador.
Esperamos que Sua Majestade procederá
para conosco como um príncipe cristão e nos confessamos prontos a lhe render
toda a nossa afeição e obediência como fazemos a Deus.
Tais
foram as palavras destes homens heroicos que a cristandade desde então
apelidou-os de PROTESTANTES.
[1] Lindsay,
Tomás. V. Desde la
Dieta de Spira de 1526 hasta la paz religiosa de Augsburgo de
1555. Historia de la Reforma.
[3]
Grifo nosso
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