domingo, 31 de dezembro de 2006
Saddam, o estado vingador e o Rio de Janeiro.
Por
Pb. Solano Portela
Postei um comentário no blog do Augustus, Solano e Mauro. Gostei muito do último artigo sobre a morte do Saddam e os acontecimentos do Rio de Janeiro que resolví reproduzí-lo na íntegra.
Rev. João d'Eça.
O mundo inteiro está comentando a morte de Saddam Hussein, ex-ditador do Iraque. Os jornais e programas de notícias têm apresentado não somente os detalhes da execução realizada após um conturbado julgamento, mas também as reações e pronunciamentos de autoridades diversas, entre as quais a do governo brasileiro. Além da condenação à execução pronunciada pelo Itamaraty, o nosso chefe maior declarou igual discordância, pois ela representava apenas um ato de vingança e ele era contra a pena de morte por convicção, primeiramente religiosa e depois política. Declarações semelhantes têm sido emitidas pelos mais diversos comentaristas e personalidades chamadas para entrevistas sobre o acontecimento.
A notícia veio obscurecer o item anterior que tomava conta da atenção dos brasileiros – os ataques seqüenciados contra postos policiais, populares e ônibus incendiados com sua carga de cidadãos indefesos, por criminosos, em mais uma cruel demonstração de força evidenciando a falência cada vez mais intensa da instituição do estado.
O que esses temas aparentemente heterogêneos têm em comum e, como cristãos, qual deve ser nossa percepção e discernimento dos tempos? Algumas observações podem ser emitidas, neste momento:
1 - Precisamos nos resguardar da beatificação de Saddam Hussein. Li a carta que ele escreveu – parecem procedentes das mãos de um anjo, e muitos estão apresentando essa visão nostálgica em seus comentários. A história não deve esquecer as atrocidades cometidas por ele e sua gangue. Não somente o genocídio e a aniquilação em larga escala, como a ferocidade com que eliminaram os desafetos e membros da própria família, quando os contrariaram (as estimativas são de que em seus 24 anos de regência, foi responsável pela morte de mais de 2.000.000 de pessoas). Os próprios jornais destes dias, ao darem o seu histórico, desfilam um rosário impressionante das barbaridades do seu regime. A suposta calma interna do país, observada sob sua regência, era vivida às custas do terror oficial e da tirania. Isso não significa que o Iraque esteja atualmente vivendo um período de calma e paz. Tenho sido um crítico do modus operandi norte-americano, em vários escritos. Não por terem ido lá e tentado “limpar a casa”, mas porque demonstraram total inabilidade em estruturar um governo de transição, que garantisse exatamente o que minimamente deveria estar presente – a segurança dos cidadãos e os serviços públicos essenciais. O descaso e despreparo do início; a inércia perante os rufiões armados que pilhavam e maltratavam os mais fracos; a tolerância com as milícias; a permissividade e despreparo dos que deveriam estabelecer a ordem, mas perpetuaram as prisões como câmaras de tortura; a ingênua avaliação do lado obscuro e malévolo do islamismo; todos esses fatores resultaram no crescimento dos grupos que diariamente se matam uns aos outros. Entretanto, não tenho qualquer dúvida que Saddam merecia ser deposto e ser alvo de justiça retributiva pelos crimes cometidos. Contrário ao que afirma manchete da Folha de São Paulo (30.12.2006), que a execução é uma “derrota da justiça”, esta é uma das poucas vezes em que a justiça implacável prevaleceu acima da visão humanista, açucarada e diluída, que permite que tiranos assassinos dêem continuidade à sua arrogante vida de violência.
2 - Ser-se pressuposicionalmente contra a pena de morte, sem o exame das bases lógicas e político-religiosas para esta penalidade é um erro. Se o nosso presidente tivesse realmente convicções religiosas cristãs, nesta matéria, não seria contra, mas a favor. Em outro lugar já escrevi sobre a Pena Capital – indicando a base bíblica para sua aceitação (caso tenha interesse de ler o ensaio todo, clique aqui), e não caberia, neste espaço, uma repetição dos argumentos. Mas a Pena Capital foi instituída por Deus (Gênesis 9.6), e não pelo homem, exatamente porque ele dá valor à vida do ser humano, formado à sua imagem e semelhança, e não por que a considera uma comodidade barata. Ela é exatamente uma medida contra a violência. Deus abomina a violência e aqueles que atentam contra a vida humana perdem o direito à própria vida. É um erro acreditar que ela é o reflexo de uma sociedade primitiva, e que hoje já evoluímos socialmente e adquirimos um novo patamar de entendimento – o próprio Deus, através da pena inspirada de Paulo, a comanda e delega a sua aplicação ao estado (Romanos 13.1-7), e isso no Novo Testamento.
3 - Isso não significa que a execução de Saddam represente uma ocasião de alegria. A morte é sempre ocasião de tristeza – ela não pertence à essência da criação perfeita. Ela é concretamente fruto do pecado, salário deste, conseqüência nefasta do nosso afastamento de Deus, como bem postou em seu Blog nosso irmão Juan , comentando os acontecimentos do Rio. Até a morte do malfeitor, por mais que venha em resultado da justiça e por mais que profilaticamente proteja a sociedade de crimes adicionais que ele poderia cometer, é momento de sobriedade, reflexão e tristeza, principalmente porque a vida que se foi não alcançou o seu propósito máximo e original – de glorificar o criador com as suas ações e pensamentos. Assim, sou contra as manifestações públicas e privadas de regozijo pela morte de Saddam, bem como, pelos motivos já expostos, contra os protestos, inconseqüentes contra a sua execução, insensíveis aos antecedentes históricos que a justificam.
4 - E quanto à colocação presidencial de que a execução foi um ato de vingança? Ela é precisa e real, mas não precisamos pedir desculpas por aceitá-la como tal. Vingança é um sentimento que não cabe na vida pessoal do cristão. Como cristãos, somos pessoas pacíficas, perdoadoras – voltamos até a outra face. No entanto, isso não significa que somos insensíveis à justiça, nem coniventes com o erro. A Palavra de Deus nos leva a Deus, apresentando-o como o nosso vingador (Salmo 9.11-12; Naum 1.2). Ela apresenta Deus como aquele que faz justiça aos fracos e oprimidos e vinga os direitos que são subtraídos (1 Tessalonicenses 4.6). De que maneira? Trazendo conseqüências danosas aos criminosos; e uma das maneiras que ele faz isso é através do estado – a este é delegado esse poder (Romanos 13.4: “... visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal”). Isso mesmo, se a vingança não deve fazer parte de nossa vida é porque ela foi institucionalmente colocada nas mãos do estado. Os governantes e autoridades são (ou deveriam ser) ministros de Deus para executar justiça e proteger os cidadãos. Quem vinga os curdos indefesos – mulheres e crianças, que foram massacrados por Saddam? E as demais pessoas que pereceram em suas mãos? Eles nada mais podem fazer, mas o estado vingador entra em ação e executa justiça.
5 - E o Rio de Janeiro? É exatamente essa, a conexão com os últimos acontecimentos de violência na Cidade Maravilhosa e linda que está cada vez mais refém, a exemplo de São Paulo e outra regiões do nosso país. Quem vingará os cidadãos calcinados nos ônibus incendiados? Quem vingará os que ainda agonizam nos hospitais, com os corpos queimados, possivelmente desfigurados até o fim de seus dias? Quem vingará a vida da mãe que morreu tentando proteger o seu filho? Quem vingará os que foram friamente assassinados? Quando perdemos essa visão de que o estado é, realmente, o vingador, o executor da justiça implacável, a população fica a mercê dos criminosos. Quando nossos governantes emitem palavras que soam piedosas, humanistas e politicamente corretas, mas que revelam um estado fraco e impotente em frente à criminalidade e aos criminosos, temos palavras que são realmente mortais para os fracos e oprimidos, vítimas da violência insana. Além disso, temos um outro aspecto ainda mais cruel. Um articulista da Folha expressou o problema de acúmulo de cargos do Sr. Álvaro Dias, que acaba de ser eleito deputado: ex-chefe da polícia do Rio de Janeiro e, segundo a Polícia Federal, concomitantemente, chefe de quadrilha. Esse é um dos maiores problemas brasileiros – o acúmulo desses cargos por vários integrantes da classe política, várias autoridades governamentais e inúmeros policiais – muitos possuem não somente os seus postos de autoridade, mas são igualmente chefes de quadrilhas. Esse acúmulo de funções é mortal à instituição do estado e à população. Essas pessoas de vida dupla, corrompidas se alimentam do sangue e da vida dos cidadãos que deveriam estar protegendo. É por isso que anualmente, no Brasil, 50.000 vidas são ceifadas por assassinatos, apenas! Muito menos que no Iraque, sob Saddam (tirando a média dos seus 24 anos no poder, as estimativas são de que ele foi responsável pela matança de 41.000 pessoas de outros países vizinhos por ano, mais 42.000 pessoas por ano do seu próprio povo), mas muito mais do que no Iraque de hoje (cerca de 30.000 por ano), com toda a convulsão social, carros bomba e estágio pré-guerra civil que vigora naquele país.
Que Deus se apiede de nós em 2007 e nos conceda mais paz e justiça, conscientizando aqueles que estão em autoridade de sua real missão e obrigações perante Deus e para com os homens. Que tenhamos uma visão mais cristalina e mais bíblica da justiça. Intercedamos por isso (1 Timóteo 2.1-2).
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