Por
Gordon MacDonald
É difícil descrever o que sinto ao ver o nome e o rosto de Ted Haggard sendo explorado a cada noticiário na TV. Mas, como disse o meu amigo Tony Campolo durante uma entrevista, quando investimos nossa vida usando o microfone para falar ao mundo nossas opiniões e julgamentos, não deveríamos nos surpreender quando a mídia direciona o holofote nos maus momentos de nossa vida, sendo isso justo ou injusto. Ainda estamos vivendo um processo de tentar compreender o que de fato existe no lado secreto da vida de Ted Haggard. A liderança da New Life Church anunciou que solicitou ao Ted que renunciasse. O seu ministério na New Life Church e como líder da Associação Nacional dos Evangélicos chegou ao fim.
Gastei algum tempo tentando entender como e por que alguns homens e mulheres que estão em posição de liderança enfrentam problemas na área moral, financeira ou de abuso de poder e de ego. Eu mesmo tenho familiaridade com a derrota e a humilhação pública. Desde aqueles terríveis momentos que vivenciei há 20 anos atrás eu tenho acreditado que dentro de nós há uma pessoa que não é muito diferente de um assassino.
Esta pessoa que está “dentro de nós” pode ser a raiz de atitudes e de comportamentos que geralmente diferem totalmente do nosso “ser consciente”. O que está “dentro de nós” procura nos destruir e canalizar energias que – descontroladas – nos tentarão a fazer todas as coisas que consideramos incorretas. Se você já foi ferido tão profundamente quanto eu e aqueles que amo, sabe que não se vive um dia sem se lembrar que há algo dentro de você que, uma vez livre, vai causar um grande estrago. Wallace Hamilton escreveu que “dentro de cada um de nós há cavalos selvagens esperando para correrem livres”.
O que me parece é que quando as pessoas se tornam líderes de organizações gigantes, quando se tornam famosos e as suas opiniões são constantemente procuradas pelos veículos de comunicação, temos que ter cuidado. O mesmo impulso que leva alguns líderes a níveis extraordinários de realização é o impulso que os mantém avançando mesmo quando metas e objetivos já foram alcançados. Como um rio que está acima do seu nível, este impulso geralmente atinge áreas de agitação e risco que podem ser perigosos e destrutivos. Este impulso muitas vezes parece ser impossível de ser contido. Esta parece ter sido a experiência de Davi com seus olhos observadores, de Uzias e o seu aborrecimento e de Salomão com sua fome insaciável por riqueza, mulheres e cavalos. Eles parecem ter buscado – seria isso um vício? – por mais emoções ou tentado suprir suas necessidades pessoais e, as formas normais que satisfazem a maioria das pessoas parecem ter sido inadequadas para eles.
Quando eu vejo que um líder se tornou inflexível e rígido, que tem tido menos compaixão pelos seus adversários, que tem sido um tirano dentro da sua própria organização, tem demonstrado raiva e arrogância em relação aos outros, fico imaginando se ele não está gerando tudo isso dentro do seu coração porque ele está tentando dizer um não para algo que está surgindo no profundo de sua própria alma. Talvez suas palavras e feitos não sejam dirigidos exatamente ao inimigo “lá fora” e sim diretamente a um inimigo mais astuto que está dentro da sua própria alma. Mais de uma vez estive com pastores que gastaram horas imersos em pornografia e que, um ou dois dias depois, pregam um sermão “cheio do Espírito” contra a imoralidade. É algo tão desconexo que espanta a razão.
Nenhuma constância na prestação de contas parece ser adequada para conter uma pessoa que vive tal conflito interior. Nem conter uma pessoa que precisa continuamente de um nível de adrenalina maior do que o de ontem. Talvez essa fosse uma das grandezas de Jesus: ele sabia quando parar, quando recusar o privilégio, a fama e o aplauso que acabaria por distorcer a habilidade de pensar com sabedoria e de se dominar. Temos visto, mais de uma vez, a verdade sobre a vida de alguém ser revelada, não de uma só vez, mas numa série de revelações, cada uma delas admitindo uma culpa maior do que aquilo que havia negado um ou dois dias antes. Talvez a dificuldade em contar toda a verdade seja um sinal de que a pessoa está, de fato, mentindo para si mesma e não consegue encarar a verdade completa sobre o seu comportamento.
Parece que todos os pecados começam com mentiras que se contam para si mesmo. A mentira principal de um líder que cai? Eu me dou, me dou e me dou como líder, eu mereço certos privilégios especiais – talvez o próprio privilégio de viver acima das regras. Ou então, tenho charme e palavras doces o suficiente para transformar qualquer coisa em realidade, inclusive minha inocência. Ou então, como grande parte da minha vida é vivida em alto nível de santidade, eu posso ser perdoado de um pequeno erro. Ou ainda, fiz tanto por essas pessoas, agora chegou a hora de fazerem algo por mim – como perdoar e dar uma segunda chance. Meu coração está partido por Ted Haggard, sua esposa e família. Não consigo imaginar a tortura que eles estão vivendo neste exato momento. Derrubados por uma preocupação e um interesse de proporções nacionais, eles devem estar se perguntando quem são seus reais amigos neste momento. Devem estar se perguntando como o que ocorreu – conhecido agora por todo o mundo – afetará seus filhos. Será que a esposa do Pr Ted poderá ir ao supermercado sem se preocupar com quem ela vai cruzar ao se mover de um corredor para o outro? Um repórter? Um membro da igreja? Um crítico? Todos os que compõem a família Haggard terão que enfrentar as câmeras todas as vezes que saírem de casa nos próximos dias, isto até que os veículos de comunicação encontrem outra pessoa sobre a qual vão lançar seus holofotes.
As viagens, os relacionamentos, as entrevistas, o aplauso da igreja, o poder dentro da organização, os benefícios e privilégios, a honra: foi tudo por água abaixo! Contatos com pessoas de poder e posição: foram por água abaixo! A oportunidade diária de dar uma palavra de influência para os mais jovens: foi embora. E o que vai crescer, dia após dia, é um sentimento estarrecedor de tentar compreender o arrependimento e a perda. Certamente pessoas se aproximarão deles para dizer que “eu confiei em você, mas, o que você fez me deixou muito bravo...você afastou o meu filho do evangelho....eu pensei que lhe conhecesse, mas vejo que não”. Muito tempo passará até que a família Haggard se sinta segura novamente. O sofrimento durará grande parte de suas vidas, mesmo depois de serem restaurados. Como eu gostaria que tudo ir para bem longe deles.
Talvez chegue um dia em que haja algum tipo de volta da influência. Mas, agora, deve ou deveria ser algo bem distante.
Uma de minhas orações tem sido para que a liderança da New Life Church não veja a “restauração” como um sinônimo de colocar o Pr Ted no púlpito o mais rápido possível. O pior que pode acontecer seria alimentar suas esperanças de que somente mostrando um “espírito contrito” ele pode voltar para a vida pública em um futuro próximo. Para o bem dele mesmo, ele deve seguir por uma longa jornada através dos fatores que causaram esta situação. Ele não vai solucionar o que quer que esteja errado em sua própria alma apenas voltando ao trabalho. Ele e a sua esposa devem se permitir um longo, muito longo tempo para a cura de sua relação pessoal. O perdão é uma cura de longo prazo, não algo momentâneo. Não esqueçamos dos cinco filhos. Somente pensar neles me faz chorar. E há ainda inúmeras pessoas dentro e fora da igreja que vão levar muito tempo para compreender o que tudo isso significa. A pior coisa que os amigos e colaboradores do Pr Ted podem fazer é tentar trazer ele de volta prematuramente. A melhor coisa que eles podem fazer é solicitar ao Pr Ted que se retire em silêncio com aqueles que mais ama e ouça – a Deus e aos conselheiros.
A declaração divulgada pelo Comitê Executivo do Conselho Nacional de Evangélicos recentemente me pareceu muito raso. Ele me pareceu ter sido escrito por alguém bem astuto da área de relações públicas que quis dizer todas as coisas simpáticas e apropriadas que pudessem abrandar a mídia. O dever da declaração parece ter sido o de informar que o Conselho Nacional de Evangélicos já está tomando providências a respeito do próximo líder. O fato é que constantemente vimos o Presidente do Conselho nas notícias e entrevistas falando em nome dos assim-chamados 33 milhões de evangélicos. Tenho certeza de que a maioria de nós não foi questionada se desejava ou não que Ted Haggard, ou qualquer outra pessoa, falasse em nosso nome. A última vez em que me senti seguro de alguém falar pelos evangélicos como um todo foi quando Billy Graham fez isso. O fato é que uma ilusão cresceu, ou seja, a de que o Conselho era uma movimento muito bem organizado de evangélicos americanos liderados por Ted Haggard que, quando se manifestasse, estaria fazendo por todos nós. Agora, infelizmente, a voz de Ted Haggard falou contra todos nós e teremos que absorver as conseqüências. Geralmente sou muito ruim em antecipar o futuro. Mas, creio pessoalmente que o Conselho Nacional de Evangélicos provavelmente não se recuperará deste momento tão doloroso. Deveria? Os líderes das diversas organizações membras do Conselho provavelmente vão supor que o dinheiro investido terá melhor utilidade em novas alianças.
Desde o início da administração Bush tenho me preocupado com algumas “personalidades evangélicas” que parecem necessitar dos holofotes da mídia todas as vezes que visitam a Casa Branca ou falam ao telefone com alguém da administração Bush. Sei que isso pode ajudar na captação de recursos mas sei também que existe a tentação de “alimentar o ego” quando quem lhe escuta é o presidente. O resultado é agora somos vistos como parte de um movimento evangélico altamente comprometido e identificado como à serviço do Partido Republicano e da sua administração. Qual o meu entendimento? Nosso “movimento” foi usado. Algo indica que este movimento – que no passado unia Billy Graham e Harold Ockenga – está começando a se fragmentar por ter se tornado um movimento mais político e que não se identifica com Jesus e o seu Reino. Querendo ou não, temos sido vistos como aqueles que dão suporte à guerra, à tortura e a uma postura antipática nas relações internacionais. Qualquer um de nós que faz viagens internacionais sabe que encontra hostilidade contra o nosso governo e a suspeita de que as políticas do Presidente refletem um grupo de “inquilinos da fé”. Há que se acrescentar que também há muita desilusão por parte de nossos irmãos e irmãs da fé de outros países que não compreendem o posicionamento dos evangélicos americanos em tudo isso. Nosso movimento pode até ter suas reuniões da alta cúpula, mas o fato é que pode ter comprometido seu papel de centro histórico da fé cristã. Não teria chegado o momento do público em geral entender que várias personalidades evangélicas que aparecem em TVs e rádios não fazem pronunciamentos em nome de todos nós?
Por isso eu oro: Deus e Pai, quão triste você deve estar quando você vê o mais poderoso e o mais fraco de seus filhos cair cativo da força do pecado e do mal. Não há nada que já foi feito que cada um de nós não seja incapaz de fazer também. Assim, ao orarmos pelo nosso irmão, Ted Haggard, não o fazemos por piedade ou justiça própria mas com um espírito de humilhação porque estamos bem ao lado dele em frente à cruz. Pai, dê a este homem e a sua esposa a sua graça. Proteja-os das constantes acusações do inimigo que tem como alvo não deixa-los dormir, levá-los a falar demasiadamente com a mídia, gerar conflitos entre eles como casal e com seus filhos. Envie as pessoas certas para dentro da vida deles, pessoas que vão prover o equilíbrio entre esperança e um amor curador. Livra-os de pessoas que vão dizer a eles coisas que não deveriam ouvir. Impeça-os de julgamentos enganosos nos momentos mais amedrontadores. Senhor, se faça presente para a liderança e membresia da New Life Church. E também para a liderança do Conselho Nacional de Evangélicos que terá que sobreviver com os efeitos colaterais desta tragédia. E também para aqueles que já estão na tradição evangélica e se perguntam em quem eles podem confiar. Que mais podemos orar? O Senhor sabe todas as coisas. Nós sabemos tão pouco. Amém
Tradução livre por Adriana Pasello.
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