terça-feira, 22 de setembro de 2015

JOÃO HUSS NA FOGUEIRA

Introdução:
 
 
João Huss como ficou conhecido, era Reitor da Universidade de Praga, tendo adotado as idéas de John Wycliffe, foi condenado à fogueira pelo Concílio de Constaça no dia 6 de junho de 1415, pelo Cardeal João Bucka, conhecido como o bispo de ferro.
A vida e o apostolado de João Hus se deram entre o final do séc. XIV e o início dos primeiros anos do século XV, no reino da boêmia. Huss e o movimento hussita são, portanto contemporâneos de Joana d'Arc. A reforma religiosa, da qual Huss foi o incentivador mais potente e o mártir, suscitou no país uma revolução social e guerras, a revolução e as guerras hussitas — de alcance internacional — cuja agitação pareceu por um momento arrebatar o destino da Europa. A epopéia hussita marcou de modo indelével o espírito nacional do povo tcheco. Um ideal de austeridade, pobreza, igualdade fraternal, resistência invencível à opressão, um cristianismo rude e simples de camponeses e soldados, uma fé que se ergue acima das montanhas, assim se demonstra o hussita, tipo admirável de guerreiro e crente, "soldado de Deus", como ele próprio se define.
 João Huss, doutor, profeta e mártir, permaneceu um herói nacional para o povo da boêmia. Por ele a alma tcheca elevou-se por um momento à consciência humana. Seus discípulos realizaram a única reforma que teve êxito em restaurar o cristianismo primitivo na Igreja. Eles fundaram um Estado cristão popular que, por mais de quinze anos, desafiou a Europa dos senhores eclesiásticos e laicos coalisados para o destruir. A derrota dos hussitas pela intriga dos clérigos de Bale e pela traição dos nobres da boêmia dissipou toda esperança de reforma na Igreja do Ocidente até o protesto de Lutero.

Victor-Marie Hugo (nasceu em Besançon, França em 26 de fevereiro de 1802 — Morreu em Paris, França, a 22 de maio de 1885). Foi um novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos francês de grande atuação política em seu país. É autor de Les Misérables (Os miseráveis) e de Notre-Dame de Paris (O corcunda de Notre-Dame), entre diversas outras obras clássicas de fama e renome mundial.
       O poema abaixo, atribuído a Victor Hugo, encontrei-o em um periódico, onde foi publicado a mais de 100 anos atrás, não posso atestar se de fato pertence à pena do grande escritor francês, porque não encontrei nenhuma menção à esse poema nos seus escritos ou noutra pesquisa que fiz. Porém, o poema é belo, e trata da vida de um pré-reformador que foi morto pelo romanismo em 1415. Leia e aprecie.
 
Jon Hus e a fogueira
(Victor Hugo)

Um dia o sacro templo humano – o Pantheon
Esconderá na sombra as vossas catedrais,
Sombrias Stambuls, Sodomas infernais!
E o véu do esquecimento ocultará gelado
A multidão estranha e negra do passado,
Em tanto que o futuro – esse farol gigante
Envolverá no brilho a humanidade infante,
Fotografando n’alma o sentimento eterno
A luz do sol fulgente, a luz do amor fraterno!

 
A humanidade é grande e sente no seu peito
Alguma coisa estranha o quer que é suspeito –
O coração que a leva em busca do futuro,
Como quem vai na sombra aconchegado a um muro!
E teme a compaixão qual sorvedouro fundo
Cuja garganta enorme é a sociedade, o mundo,
E preferindo o ódio há de ir prender-se ao mal
Pra não pensar sequer na compaixão fatal.
Diz o perdão-amor! O amor é um mistério,
Que envolve num só véu o berço e o cemitério!
O amor é um problema, e é tão profundo isto,
Que apenas o entendem um cérebro – o de cristão!

 
João Huss já sobre pilha enorme de madeira
Olhava, como estátua, as chamas da fogueira
E vê aproximar-se em vagarosos passos
O algoz sinistro e vil, que vai prender-lhe os braços!
A fronte horripilante, estúpida, animal,
Do monstro que tortura, apática, infernal,
Do monstro executor, do monstro audaz e forte,
Fita no pensador o fero olhar da morte.
O olhar é como um raio! O soluçar um grito
Que vai repercutir nos mares do infinito!
O algoz é como a fera a quem o sangue instiga,
É como o herói tremendo em uma lenda antiga;
Arrasta sem temer e mata sempre a rir;
Não sabe o que é chorar, não sabe o que é sentir!

 
A multidão corria a admirar a festa,
E Huss vê chegar esse homem, essa besta,
Esse ente que horroriza, envilecido, informe,
Filho talvez da morte, irmão talvez do mal,
Que tem nos ombros nus o estigma fatal,
Que tem um coração talvez de pederneira,
Que lança da pupila as chamas da fogueira!
O algoz estava ali, sereno, junto ao crime,
Na bruta indiferença, a quem já nada oprime.
 

Quem sabe quanto grito as rugas infernais
Daquele rosto alvar, quem sabe quantos ais
Indicam elas, que? Quantas mães queimadas
Em nome da justiça? E quantas condenadas
Em nome de Jesus, as húmidas cavernas;
Da tétrica masmorra às solidões eternas!

 
A sua vida inteira estava ali pintada
Na funda hediondez daquela fronte irada
O luto da orfandade, a viuvez, o pranto,
Estendem sobre o algoz a escuridão do manto!

 
Os filhos do carrasco a morte os alimenta
Do sangue derramado; e sempre ela sedenta
Espalha pelo espaço a avermelhada chama
Com os trapos da miséria arranja-lhes a cama!

 
Os punhos em ferida aberta em ferro quente,
Crispavam como anéis nervosos de serpente!
Com o peito semi-nu, os negros pés descalços,
Medonha caricatura, horror dos cadafalsos.
 

Vigia cuidadoso aquela cova ardente,
Porque é preciso enfim, que o seu calor aumente,
E lança para ali, pra dentro da fornalha,
Como um tirano lança as hostes à batalha,
A lenha que alimenta a vida da fogueira....
E Huss, que se estorce em ânsia derradeira,
Levanta para o céu os olhos da agonia
E diz - Eu te perdôo... Depois a cinza esfria...
O esquecimento é um antro em que baqueia a glória,
Mas esta sombra enorme errante pela história
Recorda a cada instante e lembra a todos nós
O nome desse herói, as chamas e o algoz!

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