Nicolas Durant de Villegaignon, foi um navegador
francês, nascido na cidade de Provins e fundador da França Antártica, no Rio de
Janeiro, logo depois do descobrimento do Brasil. Era vice-almirante da
Bretanha.
Para muitos ele foi um herói, mas na verdade era um
bandido, criminoso sanguinário, assassino de pessoas inocentes, oportunista e
covarde.
No processo de estabelecimento da França Antártica no
Rio de Janeiro desde as primeiras incursões em 1554, ele que nascido em família
tradicional católica, bandeou-se para o lado protestante, sem nunca ter
experimentado a conversão, na verdade era um oportunista que queria somente
estar sob o financiamento e proteção da ala protestante francesa, para tocar os
seus empreendimentos interesseiros.
Usando o texto do capítulo I do meu livro, História da
Igreja Presbiteriana do Maranhão, reproduzo abaixo, algumas dessas
considerações sobre o episódio que revelou quem realmente era Villegaignon.
A França Antarctica
As
tentativas de colonização protestante no Brasil começaram 5º anos depois do
descobrimento. Em seguida a esse momento do descobrimento do Brasil, Portugal
não se interessou logo pela ocupação do território, estabelecendo uma colônia,
o que ocasionou o interesse das outras nações. Algumas nações europeias
aproveitaram a oportunidade para tentar colonizar a nova terra recém-descoberta
e explorar as suas riquezas. Uma das nações que tiveram essa iniciativa foi a
França que no início do século XVI ainda mantinha conflitos com os germânicos e
a preocupação era também com o surgimento do protestantismo, nesse tempo a
França era governada por Carlos V.
O controle da costa brasileira era ainda muito
limitado, preocupados coma situação, Portugal enviou para o Brasil o primeiro
governador-geral, Tomé de Sousa, que estabeleceu a primeira capital da colônia,
Salvador na Bahia. O ano da chegado de Tomé de Sousa foi 1549.
Nesse tempo um aventureiro
francês resolveu fundar uma colônia francesa no Brasil numa região que já era
bem conhecida dos navegadores franceses, a baia da Guanabara. Há indícios de
que os franceses já haviam navegado para o Brasil antes do descobrimento, pois
“os índios dão a entender a Cabral que antes haviam visto na região outros
estrangeiros com barbas ruivas. Eram já os franceses.”
O mais certo
é que Villegaignon empreendeu essa aventura para ganhar fama e fortuna em
primeiro lugar e depois para conquistar novos territórios para o seu país,
tendo ainda a ideia de encontrar refúgio para as pessoas que sofriam por causa
da intolerância religiosa na França, porém, é bem provável que essa motivação
tenha sido somente, para se aproveitar da situação e receber apoio dos
perseguidos. Villegignon já havia sido ferido antes, por defender o catolicismo
na França.
Villegaignon nunca foi uma homem de
brios religiosos, era na verdade um oportunista em busca de satisfazer a sua
vontade de ser notado e não deixava passar nenhuma oportunidade que fosse para
agradar aos seus financiadores, tanto é que ele se associou num primeiro
momento ao vice-almirante Gaspard de Coligny, que era um dos principais
conselheiros do reino de França e que nutria fortes simpatias pela Reforma. Por
causa dessa associação, Villegaignon conseguiu o apoio do rei Henrique II, que
forneceu dois navios aparelhados e financiou a viagem. Vilegaignon recrutou
para marinheiros até pessoas condenadas e partiu do porto de Havre, Normandia,
no dia 15 de julho de 1555.
A
esquadra de Villegaignon chegou ao Rio de Janeiro em 10 de novembro de 1555 e
foram recebidos pelos nativos tupinambás que não tiveram nenhuma dificuldades
em reconhecer os franceses com quem já estavam familiarizados. Instalaram-se
numa ilha e construíram um Forte, chamado de Forte Cologny e denominaram o
lugar de França Antarctica.
Como
Villegaignon tinha uma personalidade oportunista e que claramente demonstrava
querer usar a colônia em proveito próprio, não estando nenhum pouco preocupado
com o bem-estar daqueles que com ele viajaram, em pouco tempo conseguiu que os
colonos o antipatizassem. Com mão de ferro, passou a explorar os colonos e lhes
impor pesados trabalhos, sem a devida recompensa, nem mesmo de alimentação, era
uma forma de trabalho escravo. Diante de situação como essa, era de se esperar
que aparecessem as revoltas, e quando elas apareceram, ele as reprimiu com
força desproporcional à revolta.
Villegaignon escreveu à Igreja Reformada de Genebra, onde Jean Calvin era
pastor, solicitando o envio de pastores e outros religiosos que viessem para
melhorar o nível espiritual da colônia e evangelizarem os índios. Villegaignon
já conhecia a Jean Calvin, o reformador, porque ambos estudaram na mesma
escola. Coligny recebeu a mesma carta enviada à igreja Reformada de Genebra e
aproveitando a oportunidade, convidou um conhecido seu chamado senhor Du Pont,
para irem nessa empreitada protestante a convite de Villegaignon. Calvino e os
pastores de Genebra escolheram com muita alegria as seguintes pessoas: os
pastores Pierre Richier de 50 anos, e Guillaume Cartier (30 anos). Richier,
doutror em teologia. Esses dois escaparam à sanha sanguinária de Villegaignon,
o primeiro, Richier, depois que voltou do Brasil, morou em La Rochele e lá
faleceu em 1580. Chartier, mais tarde tornou-se capelão de Jeanne D’Albret, mãe
do futuro rei Henry IV.
Viagem para a morte
Não
sabiam os huguenotes que foram escolhidos e enviados para o Brasil, que a
grande maioria deles estariam fazendo uma viagem sem volta. Os que viajaram
foram Pierre Bourdon, Matthieu Verneil, Jean Du Bordel, André Lafon, Nicolas
Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques
Rousseau e o sapateiro Jean de Léry, que veio ser o cronista da viagem e que
relatou em sua obra as atrocidades de Villegaignon cometidas contra os
protestantes.
O
grupo de huguenotes embarcou para o Brasil no dia 19 de novembro. A frota era
comamdada por um sobrinho de Villegaignon, Bois Le Conte. Viajaram com ele em
três navios, 290 pessoas entre homens e mulheres, estas sendo uma pequena
minoria. O desembarque, depois de uma viagem difícil, aconteceu no dia 10 de
março de 1557, uma quarta-feira, o vice-almirante Villegaignon os recebeu com
alegria, porque vinham estabelecer uma igreja Reformada. Em seguida a essa
recepção, todos se reuniram no centro da ilha e lá foi realizado um culto em
ação de graças, conhecido como o primeiro culto protestante ocorrido no Brasil
e no Novo Mundo.
O
pastor Richier orou agradecendo a Deus e cantaram juntos, segundo o costume de
Genebra “Aux paroles que jê veux dire, plaise-toi l’aureille prester” Depois
desse primeiro momneto o pastor Richier pregou um sermão com base no Salmo
27:4. Depois da celebração os huguenotes recém-chegados tiveram o prazer de
comer a primeira refeição em solo brasileiro, de acordo com a culinária
indígena: Moqueca de Peixe, farinha de mandioca e raízes assadas. Na hora de
dormir tiveram a experiência de pela primeira vez dormir em redes como os
índios faziam.
Villegaignon deu ordens para que todas as noites, após a lida, fossem feitas
reuniões de orações, que os pastores pregassem todos os dias e aos domingos
tivessem duas pregações. Em todos os cultos eram entoados Salmos, segundo o
rito reformado. A primeira ceia (eucaristia) foi celebrada no dia 21 de março
de 1557. Ai começaram os problemas para os huguenotes e que teve um final
trágico para alguns deles. De repente o vice-almirante, motivado pelos
sacerdotes católicos ao seu redor, sofrendo pressão e com medo de perder os
seus privilégios, ele que antes era simpático aos protestantes, agora começou a
hostilizá-los, principalmente sobre o tema relacionado à Santa Ceia (eucaristia).
Com o passar do tempo Villegaignon começou a criar problemas sobre outros
pontos doutrinários, tudo para agradar aos sacerdotes católicos, até que
declarou ter mudado de opinião sobre Calvino, dizendo que ele era um herege e
proibiu a pregação dos pastores. Jean de Lery opinou que a razão disso foi que
Villegaignon recebeu cartas do cardeal de Lorena censurando-o fortemente por
ter abandonado a fé católica, e ele, por medo das consequências dessa censura
do cardeal, mudou de opinião. Os reformados
foram expulsos da ilha para o continente, para um lugar chamado Brigueterie
(Olaria), passando dois meses lá, à espera de navio que os levassem de volta à
França.
A Confissão de Fé da Guanabara
Os
huguenotes que vieram da França por causa do pedido de Villegaignon, agora
estavam a espera de condução que os levasse de volta pra sua terra, por causa
das perseguições do mesmo vice-almirante. No dia 4 de janeiro de 1558, 11 meses
depois de terem chegado, partiram frustrados por não terem alcançados os
objetivos de sua missão. Villegaignon deu ao mestre do navio cartas dirigidas
ao primeiro magistrado da França, acompanhado de um processo em que pedia que
os huguenotes fossem presos e queimados como hereges.
Homenagem da Marinha Brasileira
É lamentável
que a Marinha Brasileira tenha enaltecido um assassino desumano como o foi
Villegaignon, que merecia a desonra e o desprezo. Independente de que a Escola
Naval esteja localizada na ilha do Rio de Janeiro que leva o seu nome, não era
necessário que a Marinha do Brasil erguesse na cidade natal de Villegaignon um
momumento à sua honra, como aconteceu, segundo Mariz e Provençal:
Na França, na cidade natal de
Villegaignon, Provins, um monumento oferecido pela Marinha Brasileira foi
inaugurado no dia 1º de agosto de 2000. O comandante Lucien Provençal foi um
dos oradores da cerimônia e teve a honra de recordar aos habitantes da cidadea
biografia desse seu ilustre concidadão, tão pouco lembrado.
Creio
que a Marinha Brasileira desconhece quem de fato foi Villegaignon, se o
soubesse não teriam feito essa homenagem. Esse ato fere e desonra a memória de
pessoas inocentes, que foram martirizadas pelas mãos de um oportunista covarde,
por causa de sua fé, como veremos nos relatos a seguir.
Se a Marinha do Brasil não
conhecia toda a história de Villegaignon e prestou-lhe a homenagem na França
com o dinheiro do contribuinte, inclusive dos protestantes, então deve um
pedido de perdão a todos os protestantes do Brasil e do mundo, se porém a Marinha
do Brasil já conhecia a história desse traidor e criminoso, então optou por ser
conivente com um bandido, não se importando com os seus crimes e desprezando as
suas vítimas.
O
navio que os huguenotes tomaram para voltara a França, era velho e não garantia
comida para todas as pessoas a bordo, em número de 45, etre passageiros e
tripulação. O comandante avisou que a viagem seria penosa e por causa disso,
Jean de Léry com outros huguenotes se ofereceram para voltar à terra. No último
momento desitiu e desceram somente Pierre Bourdon, Jean du Bourdel, Matthieu
Verneuil, André Lafon e Jacques Le Balleur. Esses cinco homens aportaram em uma
praia e de lá resolveram voltar ao Forte Coligny. Villegaignon os recebeu
cordialmente e depois de dez dias mudou radicalmente a sua atitude para com
eles, acusou-os de traidores e espiões e decidiu executá-los por heresia.
Villegaignon era o representante do rei da França, Henrique II, na ilha, e como
tal podia exigir que eles declarassem publicamente a sua fé e é nesse contexto
que surge um dos mais importantes documentos para a história do protestantismo
no mundo. Villegaignon, assessorado pelos padres, formulou um questinário sobre
questões de doutrina e trouxe aos prisioneiros, exigindo que eles respondessem
ao mesmo em doze horas. Os huguenotes dispunham somente de um exemplar da
Escritura Sagrada e não eram versados em teologia. Jean du Bourdel, o méis
velho entre eles, mais estudado e conhecedor do latim, foi o encarregado de
redigir a resposta ao vice-almirante Villegaignon. Depois que eles revisaram
aquela declaração várias vezes, cada um apôs a sua assinatura indicando que
aquela era a sua crença.
Esse
documento, conhecido como “A Confissão de Fé da Guanabara” ou “Confissão de Fé
Fluminense”, escrita como resposta as exigências de Villegaignon é considerado
hoje como um dos primeiros documentos confessionais reformados. Os principais
documentos da Fé Reformada, como: A Confissão Galicana (1559), A Confissão
Belga (1561), O Catecismo de Heidelberg (1566) e a Confissão de Fé de
Westminster (1648), são todos documentos produzidos depois da Confissão de Fé
da Guanabara. É importante mencionar o esboço desse documento aqui para que se
veja o despropósito da decisão de Villegaignon.
A
Introdução faz uma bela aplicação do texto de 1 Pedro 3.15. A Confissão de Fé
em si é composta de 17 parágrafos de diferentes tamanhos que tratam de cinco ou
seis questões principais:
1.
Parágrafos 1-4: a doutrina da Trindade, em especial a pessoa de Cristo, com
suas naturezas divina e humana.
2.
Parágrafos 5-9: a doutrina dos sacramentos; a Ceia é tratada em quatro artigos
e o batismo em um.
3.
Parágrafo 10: a questão do livre arbítrio.
4.
Parágrafos 11-12: a autoridade dos ministros para perdoar pecados e impor as
mãos.
5.
Parágrafos 13-15: divórcio, casamento dos bispos, voto de castidade.
6.
Parágrafos 16-17: a intercessão dos santos e orações pelos mortos.
Analisando o esboço do documento o prof. Dr. Alderí Matos, historiador oficial
da Igreja Presbiteriana do Brasil mostra no seu comentário que não havia nenhum
motivo justificável para Villegaignon ir em frente no seu intento de matar os
protestantes, ele diz:
Considerando o documento como um todo, percebem-se
três características: (a) é uma confissão de fé bíblica: está repleta de
referências e argumentos extraídos diretamente das Escrituras; (b) é uma
confissão de fé cristã: expressa convicções e conceitos dos primeiros séculos
da igreja; (c) é uma confissão de fé reformada: contém pontos importantes do
calvinismo, como a centralidade das Escrituras, a natureza simbólica dos
sacramentos, a supremacia de Cristo, a importância da fé, o batismo infantil e
a eleição, entre outros.[3]
A morte dos protestantes
Depois que Villegaignon recebeu o documento respondido pelos huguenotes, o
vice-almirante, como um juiz togado, declarou todos os artigos como heréticos,
então, depois dessa declaração, o vice-almirante mandou buscar os protestantes
que se encontravam no continente e lançou-os em uma prisão na Ilha, ficando de
fora somente um deles, Pierre Bourdon que estava doente. A decisão de
Villegaignon foi de executar os protestantes por estrangulamento e depois
jogá-los ao mar, essa decisão foi tomada em virtude do carrasco da colônia não ter
experiência em execuções, sendo que essa forma seria a mais fácil de ser
executada.
A
execução deu-se em 9 de fevereiro de 1558 e o primeiro a vir para ser executado
foi Jean du Bourdel, autor da Confissão de Fé. Ele foi agredido e humilhado por
Villegaignon e depois conduzido até a rocha de onde seria jogado. Antes de ser
sufocado e jogado ele orou a Deus e cantou louvores. O segundo foi Matthieu
Verneil. Ele confrontou o vice-almirante perguntando porque estava sendo
executado, já que o motivo de sua execução era a declaração de fé, a mesma que
foi feita por Villegaignon, alguns meses antes. Pediu que não fosse morto e que
ficasse como escravo. Villegaignon dise que se ele se retratasse ficaria livre,
diante da negativa, foi executado. O seguinte foi André Lafon, que disse ia se
retratar se eles provassem os seus erros pelas Escrituras, foi poupado e ficou
preso na fortaleza. Na verdade ele foi poupado por ser o único alfaiate na ilha
e eles precisavam dele, então o persuadiram a dizer que ia retratar-se. Pierre
Bourdon foi conduzido pessoalmente por Villegaignon sob a informação de que
seria poupado, mas ao chegarem na ilha ele foi estrangulado o jogado ao mar.
Jaques Le Balleur escapou e depois de se tornar pregador itinerante, foi preso,
enviado à Bahia onde ficou encarcerado por oito anos. Depois do encarceramento
Le Balleur foi enciado ao Rio de Janeiro para ser executado por pregar suas
“heresias”. No momento da sua execução, o carrasco declarou-se inexperiente
para a tarefa, no qual foi auxiliado pelo Padre José de Anchieta. Esse episódio
foi a causa da demora no processo de canonização de Anchieta, conhecido como
“apóstolo do Brasil”.
Depois desses acontecimentos, Villegaignon mandou distribuir víveres em
abundância aos seus servos e comandados e depois que voltou à França, o traidor
da fé, carrasco e sanguinário, escreveu livros contra os protestantes e foi
refutado em cada um deles.
Jean
de Léry recebeu a Confissão de Fé da Guanabara das mãos do senhor Du Pont, que
havia recebido dos colonos que escaparam da ilha e viajaram durante cinco meses
até a França, levando consigo não só a Confissão de Fé, mas todo o processo
contra os huguenotes feito por Villegaignon. Jean de Léry entregou os
documentos no ano de 1558 a Jean Crespin para que fosse reproduzido no seu
livro “História dos Mártires” de 1564. Villegaignon foi apelidado de o “Caim da
América”.
Jean
de Léry formou-se em teologia em Genebra e depois de pastorear algumas igrejas,
incentivado por amigos escreveu a sua mais famosa obra, “Viagem à terra do
Brasil”. Ele escapou da morte no massacre de São Bartolomeu. O seu livro
mencionado acima teve uma edição ampliada e foi um dos livros de viagens mais
lidos nos séculos XVI a XVIII. A tradução para o português foi feita por Sérgio
Milliet, publicada em 1941.
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