By
Rev. João d’Eça, MD
Introdução:
Quase todos os
crentes aceitam que a oração é fundamental para a saúde da vida cristã. Para se
promover uma Reforma, seja na vida pessoal ou na sociedade, o primeiro passo é
sempre dobrar os joelhos diante do SENHOR.
O reformador Martinho Lutero
(1483-1546) compreendeu essa necessidade desde cedo. Podemos afirmar que ai
está o segredo do sucesso da empreitada de Lutero. Ele um homem forte, de
vontade firme, cheio de intrepidez, enfrentou todos os perigos numa época em
que se posicionar poderia significar a morte certa.
Lutero desde a sua conversão com
a descoberta da Bíblia, lançou-se aos braços do Pai Eterno em quem depositou
toda a sua confiança. Lutero amava a vida de oração e dependência a Deus.
Iremos nesse artigo tratar do
assunto de como Lutero lidava com a vida de oração e destacar as suas
impressões acerca da “Oração Dominical” de Jesus Cristo. Num de seus
comentários diz ele:
Quando fizeres oração....
faze-o com poucas palavras, porém com muitos pensamentos e afetos saídos do
mais profundo de teu interior. Quanto menos falares, melhor rogarás. Poucas
palavras e muitos pensamentos constituem o cristão. Muitas palavras e poucos
pensamentos constituem o pagão...
Nesse comentário percebemos que
se Lutero vivesse hoje em dia, o que ele diria das orações que se fazem hoje
nas igrejas? Parecem mais uma sessão de informações a Deus, como se ele não
soubesse de nada e o orante precisasse dar a informação ao Todo-Poderoso. Na
sociedade contemporânea Lutero seria expulso da maioria das igrejas ao dizer
essas palavras, ainda mais num contexto de orações estridentes e gritadas, como
se Deus estivesse surdo. O modo de oração de Lutero é como ele expressa:
A oração exterior e do corpo
é aquele sussurro dos lábios, aquele palavrório sem fundamento que fere a vista
e os ouvidos dos homens; porém a oração
em espírito e em verdade, é o desejo íntimo, o movimento, os suspiros, que
sabem das profundezas do coração.
Dai pra frente Lutero irá
dimensionar os vários tipos de oração feitas por vários tipos de pessoas. Diz ele: “A primeira é a oração dos hipócritas e de
todos aqueles que confiam em si mesmos. A segunda é a oração dos filhos de
Deus, que vivem no seu temor”.
A oração Dominical
Lutero também comentou sobre a
oração dominical de nosso Senhor. Ele começa salientando o nome de Deus que
inicia a oração. Diz Lutero:
Entre todos os nomes, não há
nenhum que nos disponha melhor para com Deus do que o nome do Pai. Não heveria
para nós tanta ventura e consolação em chama-lo Senhor, ou Deus, ou Juíz.... A
este nome de Pai as entranhas do Senhor se comovem; porque não há voz mais
amorosa e mais terna do que a de um filho a seu pai.
Em seguida Lutero comenta a parte
seguinte da oração de nosso Senhor, a que diz que ele “está nos céus”, mencionando como ilustração a situação do filho
pródigo. Diz ele:
Aquele que confessa que tem
um pai que está nos céus, considera-se por conseguinte como abandonado sobre a
terra. Dai vem a sentir em seu coração um desejo tão ardente como o de um filho
que vive apartado de seu pai em um país estranho, na miséria e na aflição. É
como se dissesse: Ai! Meu pai! Tu estás nos céus, e eu, teu miserável filho,
aqui sobre a terra, longe de ti, rodeado de perigos de necessidades e de
tristezas.
Continuando Lutero no seu
comentário sobre a “Oração Dominical”, ele trata da condição do temperamento
humano dizendo:
‘Santificado seja o teu
nome’ Aquele que é colérico, ou invejoso, ou maldizente, ou caluniador, desonra
o nome de Deus, sob que foi batizado. Fazendo um uso ímpio do vaso que a Deus,
sob que foi batizado. Fazendo um uso ímpio do vaso que a Deus é consagrado.
Assemelha-se a um sacerdote que se servisse do cálix para dar de beber a uma
porca, ou para enchê-lo de esterco...
Analisando a próxima frase da
oração dominical “venha o teu reino”, Lutero discorre o seguinte:
Aqueles que acumulam bens,
que fazem construir edifícios magníficos que buscam tudo o que o mundo pode
dar, e pronunciam com os lábios esta oração, são semelhantes a estes grandes
tubos de órgãos que ressoam nas igrejas sem que sintam nem saibam o que fazem...
Lutero ataca o erro das
peregrinações com muita veemência. Essas peregrinações eram muito comuns na sua
época e muitos diziam ser a vontade de Deus que essas peregrinações fossem
feitas. Lutero disse:
“Um vai a Roma, outro a S.
Tiago; este faz construir uma capela, aquele funda uma instituição para
alcançar o Reino de Deus; porém todos se descuidam do ponto essencial, que é formarem
eles mesmos o seu Reino. Por que vais procurar o Reino de Deus além dos mares,
quando deves encontra-lo em teu próprio coração?”
Lutero critica as peregrinações
que as pessoas desde antes do seu tempo costumavam fazer em busca de uma
elevação espiritual. Dentre as peregrinações mais comuns estavam a de Roma e a
de São Tiago de Compostela. Na continuação de sua crítica, ele prossegue:
É uma coisa terrível ouvir
fazer-se esta petição “seja feita a tua vontade” Onde se vê fazer na igreja
esta vontade de Deus?... Um bispo levanta-se contra outro bispo, uma igreja
contra outra igreja. Padres, frades e freiras se enfadam, combatem, guerreiam;
não se vê senão discórdia em toda parte. E entretanto cada partido exclama que
tem uma boa vontade e uma intenção reta; e desta maneira, em honra e glória de
Deus fazem todos juntos uma obra do diabo...
Lutero continua a explicar o que
ele entende quando se diz as palavras “pão nosso”. Ele vai explicar o que é
esse “pão nosso”, como sendo o “pão de Deus”, o Senhor Jesus Cristo. Ele diz:
“O pão nosso de cada dia nos dá hoje?” É porque não
rogamos pelo pão comum que os pagãos comem e que Deus dá a todos os homens; mas
pelo pão que é nosso em razão de sermos filhos do do Pai Celestial. “E qual é
esse pão de Deus? É Jesus Cristo, nosso Senhor: Este é o pão que desce do céu,
para que o homem dele coma, e não morra. ‘Eu sou o pão vivo que desceu do
céu;.... as palavras que eu vos digo são espírito e vida são (João 6.50-63.
Portanto, repare-se bem nisto, todos os sermões e todas as instruções que não
nos representam nem nos fazem conhecer a Jesus Cristo, não podem ser o pão
quotidiano e o sustento de nossas almas...
Lutero critica a igreja romana, comparando
o “pão do céu” com um banquete que alguém preparou, mas não é servido aos
convidados que só ficam sentindo o cheiro e nada podem aproveitar. Diz ele:
De que serve tenha sido
preparado para nós um tal pão, se não nos dão, e por conseguinte não podemos
saboreá-lo?.... É como se houvessem preparado um esplêndido banquete e não
aparecesse ninguém para repartir o pão, para levar os pratos, e para dar de
beber, de sorte que os convidados devessem alimentar-se com a vista e com o
cheiro... É preciso, portanto, pregar a Jesus Cristo só.
Lutero continua, desta feita
fazendo o papel de interlocutor imaginário, usando o método muitas vezes usado
pelo apóstolo Paulo na carta aos Romanos, ele então pergunta:
Porém perguntas o que se
entende por conhecer a Jesus Cristo, e que utilidade se tira disso? Respondo:
Aprender a conhecer Jesus Cristo é compreender o que diz o apóstolo: Mas dele
sois vós em Jesus Cristo, o qual de Deus nos foi feito sabedoria, e justiça, e
santificação e redenção (I Co.1.30). Portanto, compreenderás isto quando
reconheceres que toda tua sabedoria é uma loucura desprezível, tua justiça uma
iniquidade repreensível, tua santidade uma impureza vergonhosa, tua redenção uma
condenação ignominiosa; quando conheceres que diante de Deus e dos homens é
verdadeiramente um louco, um pecador, um impuro, um homem condenado, e quando
mostrares não somente com palavras mas com tuas obras e do fundo de teu
coração, que não resta nenhuma consolação nem salvação senão em Jesus Cristo.
Crer não é outra coisa senão comer esse pão do céu.
Era assim que Lutero permanecia
fiel à sua resolução de abrir os olhos a um povo cego, a quem os sacerdotes
levavam aonde queriam seus escritos, propagados em pouco tempo por toda a
Alemanha, produziam ali uma nova luz, e semeavam abundantemente a semente da
verdade um uma terra bem preparada.
Conclusão
Quero concluir com uma oração
proferida por Lutero:
Querido
Pai, dá-nos graça de modo que tenhamos controle sobre a concupiscência da
carne. Ajuda-nos a resistir a seu desejo de comer, beber e dormir além do
necessário, de ficar à toa, de sermos preguiçosos. Ajuda-nos através do jejum,
da moderação no comer, no vestir, no dormir e no trabalhar, através da
vigilância e do labor, a sujeitar a carne e a voltarmos às boas obras.
Ajuda-nos
a levar todas as nossas inclinações más e lascivas, bem como todos os seus
desejos e estímulos até a cruz de Cristo e sacrificá-los, de modo a não dar
crédito a nenhum de seus encantamentos nem tampouco segui-los. Ajuda-nos no
momento em que virmos uma pessoa, uma criatura ou qualquer outra imagem bela,
de modo que isso não se torne uma tentação, mas uma ocasião para demonstrar um
amor casto e para louvar-te pelas tuas criaturas. Ao ouvir doces sons e
sentirmos coisas que nos agradam os sentidos, ajuda-nos a buscar não a
lascívia, mas o teu louvor e honra.
Preserva-nos do pecado da avareza e do desejo pelas riquezas deste mundo.
Guarda-nos de modo a não buscarmos a honra e o poder mundanos e nem sequer
consentirmos o desejo por eles. Protege-nos, de modo que as mentiras, a
aparência e as falsas promessas deste mundo não nos atraiam para seus caminhos.
Guarda-nos para que as fraquezas e adversidades do mundo não nos levem à
impaciência, à vingança, à ira ou a quaisquer outros pecados. Ajuda-nos a
renunciar às mentiras e à falsidade do mundo, a suas promessas e à sua
infidelidade, bem como a todo o seu mal (como já prometemos fazer no batismo),
apegando-nos firmemente a esta renúncia e, assim, crescer dia a dia.
Livra-nos das sugestões do diabo, que não venhamos a dar espaço ao orgulho, que
não nos tornemos egoístas e que não desprezemos os outros em nome da riqueza,
da posição, do poder, do conhecimento, da beleza ou de qualquer outro dom dos
céus. Guarda-nos de cair no ódio ou na inveja por qualquer razão. Preserva-nos
de modo que não venhamos a ceder ao desespero, a grande tentação de nossa fé,
seja agora ou na hora de nossa morte.
Que tenha o Teu amparo, Pai Celestial, todo aquele que se esforça e trabalha
contra todas estas grandes e diversas tentações. Fortalece aqueles que ainda
esperam; levanta aqueles que caíram e foram derrotados; e a todos nós dá a Tua
graça, para que nesta vida incerta e miserável, incessantemente cercada de
inúmeros perigos, possamos lutar com constância e com uma fé firme e destemida
e, no final, ganhar a coroa que permanece para sempre.”
Sem coragem, sem
inteligência, sem dependência de Deus, sem apoio dos companheiros e
principalmente sem uma vida consagrada em oração, a Reforma teria muita
dificuldade de ser implantada na Alemanha.
Referências Bibliográficas
ALLEN, William
E. História dos avivamentos religiosos. Trad. Helcias Câmara. Rio: Casa
Publicadora Batista, 1958. pp 16-17.
ALTMAN, Walter, Lutero e
Libertação, São Leopoldo (RS): Sinodal & São Paulo: Ática, 1994.
CALVINO, João, As Institutas da Religião Cristã
– Livro III, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985.
FERREIRA, Wilson Castro, Calvino:
Vida, Influência e Teologia, Campinas (SP): Luz para o Caminho, 1995.
GONZALES, Justo L. Uma História
Ilustrada do Cristianismo- A Era dos Reformadores (vol. 5), São Paulo: Vida
Nova,1995
HENDRIX, Scott H. The Controversial Luther, Word
& World 3/4 (1983), Luther Seminary, St. Paul, MN, p. 393. Veja, Hillerbrand,
Hans. The legacy of Martin Luther, in
Hillerbrand, Hans & McKim, Donald K. (eds.) The Cambridge Companion to
Luther. Cambridge University Press, 2003.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas (vol. 7). São
Leopoldo (RS): Sinodal & Porto Alegre (RS): Concordia, 2000.
LUTERO, Martinho. Como
Orar. Editora Monesrgismo.
Luther’s Works, Pelikan, Vol.
XX, pág.: 2230.