Baseado
em Jean Crespin
Barbeville
era oficial de pedreiro, já idoso, e, voltando de Genebra, quis instruir os
seus vizinhos nos princípios do Evangelho, porém foi descoberto e acusado por
eles, e por isso feito prisioneiro.
A
princípio o pobre homem enfraqueceu, negando as suas relações com as outras
pessoas acusadas. Foi desleal para com algumas pessoas a quem negou conhecer
para preservara sua vida. Num lance de desespero, juntando-se com outros
detentos, tentou contra a vida do carcereiro, porém foi severamente punido.
Depois
desses acontecimentos ele foi colocado numa cela com Jean Morel[1]
que o exortou através da Palavra de Deus e Barbeville foi tocado tão
profundamente que reconheceu o seu pecado a ponto de chorar e a gemer
amargamente. Pediu perdão ao carcereiro, decidiu mudar o seu comportamento e a
retratar-se de tudo o que havia dito contra Deus.
Antes
da sua conversão, quando era levado a presença dos juízes que o julgavam, diz
ele que era paralisado de medo e continuamente blasfemava, porém depois de ter
sido alvo da graça e da misericórdia de Deus, ele apresentou-se aos magistrados
com segurança e coragem, afirmando ser um adorador de um único Deus e Senhor e
que renunciava e se arrependia de ter adorado os ídolos e a adoração dos santos
e da virgem Maria que outras pessoas lhe havia apresentado. Isso aconteceu no
dia 16 ou 17 de janeiro de 1559.
Nos
dias que se seguiram, ele foi levado à presença dos juízes eclesiásticos que
diziam que ele estava preso porque havia comparado os padres a “saltimbancos
vestidos de amarelo, verde, vermelho e outras cores”, ele respondeu:
Na verdade tenho
dito sim, não me arrependo, e se me interrogarem continuarei dizendo e direi
muito mais ainda.
Os
juízes ficaram admirados da mudança ocorrida na vida de Barbeville e da
constância da sua nova fé. No dia 18 de fevereiro daquele ano, ele foi levado
ao Supremo Tribunal apelando aos juízes eclesiásticos, e no mesmo dia foi
apresentado aos da Câmara Maior, e fez a seguinte confissão escrita de próprio
punho: “Depois que prestei juramento e disse meu nome, país e residência, fui
interrogado porque havia apelado.”
Resposta: “Por causa da
dilatada prisão nos cárceres, nos quais o juiz eclesiástico me tem detido por
espaço de nove meses sem me dar nem direitos nem justiça.”
Pergunta: Por que?
Resposta: Por ter
declarado os mandamentos de Deus a um vizinho meu, e o abuso dos mandamentos dos
homens.
Pergunta: Quanto tempo faz
que não vais à missa?
Resposta: Fui no dia da páscoa;
porém Deus quis que caísse uma estante do coro sobre a perna e fiquei ferido;
retirei-me e desgostei muito de ter ido ali, por causa da grande idolatria que
nela presenciei.
Pergunta: Que idolatria?
Resposta: A gente prostrava-se
diante de ídolos e os adorava.
Pergunta: Então não se
deve adorar a Deus mediante as imagens?
Resposta: Não, pois está
escrito nos Atos dos Apóstolos17.24 que “Deus não habita em templos feitos por
mãos humanas”. E a proibição está expressa em Exodo 20.
Pergunta: Onde aprendeste
isso?
Resposta: Na Sagrada
Escritura.
Pergunta: Ela está em
latim. Sabes latim?
Resposta: Não; mas a
tenho lido em francês.
Pergunta: Foste às
Assembléias que são feitas em Moutfacod e pelas casas?
Resposta: Não; porém quem
me dera que eu pudesse ter ido para ouvir a Palavra de Deus.
Pergunta: Foste a Genebra?
Resposta: Sim, oito dias
somente, e ali trabalhei pelo meu ofício. E voltei para levar meu filho.”
Depois
desse interrogatório ele foi levado à entrada do cartório civil do Supremo Tribunal,
e (como depois soubemos por fiéis testemunhas), ali foi interrogado por vários
meirinhos e contínuos do cartório, como ele sabia o que dizia, visto ser
pedreiro, e que o Santo Espírito não descia no coche de um pedreiro.
Em
resposta, ele recitou este versículo do Salmo 15.7: “bendigo ao Senhor, que me
aconselha; pois até durante a noite o meu coração me ensina.”
Depois
disto foi levado ao lugar onde estavam esperando os presos que eram mandados
subir para serem interrogados, ali ele foi interrogado por quatro conselheiros
sobre o sacramento da eucaristia; eles porém, não eram mandados pelo tribunal
para este fim.
Ele
respondeu que Ceia ministrada segundo a instituição de Jesus Cristo, ele
comungava o corpo e sangue de Jesus Cristo pela fé, e não de um modo carnal:
pois tendo Jesus subido aos Céus não descerá de lá senão quando vier para
julgar os vivos e os mortos.
Um
dos tais conselheiros, zombando, acrescentou: “Que subiu aos céus” e puxou a
escada que estava atrás dele”.
Neste
dia a sua apelação foi anulada e pouco depois ele foi reconduzido ao juiz
eclesiástico para fazer confissão de sua fé.
Ai
teve debates iguais aos primeiros sobre a disputa dos sacramentos e outros
pontos, e os sustentou de tal modo que foi declarado herege e promotor de
divisão.
Quando
foi interrogado sobre a missa ele disse que era uma
“mercadoria
falsificada, que nada valia, e que era a prostituta sentada sobre a grande Besta,
da qual se trata no Apocalipse, que era a mãe das abominações, com a qual os
reis e príncipes tinham se corrompido, e estavam embriagados pela sua bebida:
que era a sua abominação descrita pelo profeta Daniel; enfim, que era uma
planta que não tinha sido plantada pelo pai Celeste, e portanto em pouco tempo
seria arrancada e atirada ao fogo.”
Falando
do papa, ele comparava o estado da sua vida com a de Jesus Cristo: “Jesus
Cristo, dizia ele, foi coroado com uma coroa de espinhos, mas o papa é coroado
com três coroas preciosas. Jesus Cristo lavou os pés de seus apóstolos; mas o
papa manda beijar as suas sandálias”. E assim por diante fazia os contrastes de
Jesus Cristo com o papa para mostrar que este era realmente o anti-Cristo.
Se
lhe ofendiam dizendo ser um ele um burro e que “não poderia conhecer as
Sagradas Escrituras”, ele respondia:
Pois
bem, aceitem que eu não sou mais que um burro! Porém vocês nunca leram que Deus
abriu a boca da burra do profeta Balaão, que reclamou do profeta que a
espancava, ele que queria profetizar mentiras contra o povo de Deus? “Se Deus
abriu a boca de um Jumenta, vocês se admiram que ele abra a minha boca para falar
contra as falsidades e mentiras que vocês proferem contra o povo de Deus? E
assim como a burra falou por causa do pesado fardo que o falso profeta a fez
carregar, do mesmo modo, por causa do pesado fardo que vocês me fizeram
carregar no passado, com a s vossas tradições e falsas doutrinas, é que estou
constrangido a falar.
Benedito,
o frade inquisidor, tendo vindo até ele, começou dizendo que tinha vindo a
consolá-lo e a anunciar-lhe a verdade, porém a resposta que não esperava veio
imediatamente:
Como
você pode falar a verdade, se você vem a mim vestido num hábito de mentiroso?
Não posso encontrar a verdade em você, pois não dá para colher figos em árvores
de cardos, nem colher uvas em espinheiros.
O
padre então retrucou que ele não devia julgá-lo. Ele então respondeu ao padre: “Não
sou eu quem o julgo, mas a palavra de Deus e os falsos propósitos que vocês
cultivam.”
Depois
de ter envergonhado o padre, Barbeville resistiu bravamente às mentiras e às
tradições papistas, foi excomungado e declarado herege. Depois da declaração de
heresia, o juiz eclesiástico o mandou ajoelhar-se para receber a sentença.
Barbeville lhe perguntou, se ele era Deus para ser adorado. O juiz respondeu
que era em honra e reverência ao crucifixo que estava pendurado acima dele.
Barbeville então disse: “Contudo não o farei, pois assim eu seria um idólatra.”
O
juiz foi constrangido a pronunciar-lhe a sentença, estando o réu de pé.
Barbeville se animou e alegrou-se por ter podido dar testemunho da sua fé e de
ter sido excomungado da igreja dos homens, no entanto, permenecia na Igreja de
Cristo.
Depois
de sentenciado ele foi entregue as autoridades seculares e trancafiado na
prisão do palácio no dia 3 de março. No dia 6 ele foi condenado à fogueira pela
Câmara Maior, depois de ter respondido outra vez às autoridades. Mesmo diante
da morte ele não manteve a sua boca fechada. Quando podia, instrua os que
encontrava na prisão e quando estava sozinho, cantava salmos.
Numa
próxima audiência Barbeville estava sentado ao lado de um homem acusado de
furto. Ele repreendeu o homem com incisivo zelo, assegurando ao homem que se
arrependesse dos seus pecados para receber a remissão em Jesus Cristo. A
palavra alcançou o coração daquele homem de tal forma que ele saiu dali para
morrer, mas estava consolado e arrependido.
Por
volta das 11 horas da noite ele foi levado para a capela para esperar a hora da
morte. Finalmente, foi levado para a execução no largo que fica diante do paço
municipal em Greve.
A
sentença dizia que dele deveria ser amarrado em uma estaca e estrangulado,
porém o furor do povo não queria que a pena fosse tão moderada. Dai a turba
levantou os feixes de lenha contra ele, até por cima da cabeça, e apressaram o
carrasco para o estrangular.
Mesmo
numa situação desesperadora como essa, ele não deixou de dar testemunho
suficiente e de invocar o nome de Deus. A corda que amarrava suas mãos se
rompeu e ele juntando-as, levantava as sua mãos em direção ao Céu, ficando
todos os presentes admirados da sua fé. Assim, docemente, sem gritar, ele
entregou a sua alma a Deus.
Rev.
João d’Eça é Ministro presbiteriano, pastor da Igreja Presbiteriana Betsaida em
São Luís, Mestre em Teologia Histórica pelo CPAJ, professor de História
Eclesiástica e Antigo Testamento em instituições de ensino teológico.
[1] Jean
Morel era crente, ainda muito jovem de menos de vinte anos, e morreu no cárcere
envenenado.
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